Desde que a legalização das apostas esportivas online – as apostas – foi cogitada, surgiram preocupações sobre a potencial exploração desse setor pelo crime organizado, com exemplos de envolvimento de grupos como o PCC e milícias no controle de casas de apostas.
Para a advogada criminalista atuante em Cybercrime e Criminal Compliance, Cláudia Carvalho, embora o governo tenha regulamentado o setor em maio, exigindo que empresas tenham representação no Brasil e sigam normas de prevenção à lavagem de dinheiro, essas medidas podem não ser suficientes para garantir a segurança dos cidadãos.
“Já existem várias empresas que estão patrocinando, é praticamente o futebol brasileiro, sem elas iria haver uma falência financeira. Mas até então eram empresas que estavam sediadas em Curaçao, em Malta, paraísos fiscais que já são reconhecidamente usados pelo crime organizado”, ilustrou Cláudia à TVGGN Justiça.
Ainda que em Curaçao tenha havido um movimento para tentar afastar a imagem negativa de paraíso fiscal facilitador da lavagem de dinheiro, através do órgão regulador “Curaçao Gaming Authority”, que exige uma série de normas preventivas, “essas empresas, inclusive as que já operam, continuam sediadas nesses paraísos fiscais, mantendo suas operações sob anonimato”, explica.
No caso do Brasil, houve a legalização da aposta de quota fixa, um modelo que permite ao apostador prever seus ganhos e, ao mesmo tempo, gera recursos para o governo federal. No entanto, segundo a advogada, “apesar das novas regulamentações, o foco maior está em exigências administrativas, não há uma salvaguarda eficiente para proteger o cidadão de possíveis golpes. O processo ainda é complicado, especialmente no que diz respeito à prevenção de fraudes e à proteção do consumidor”.
Ainda de acordo com a advogada criminal, com as novas regulamentações das bets surgiram propostas para que advogados atuem como gatekeepers, ou seja, representantes formais das empresas diante das autoridades, que atuariam, na verdade, como “laranjas”.
“Tenho colegas que já estão recebendo propostas indecentes de empresas que querem se estabelecer aqui e querem, na desculpa de ter uma pessoa como a gente, que vai fazer a abertura desse licenciamento dentro dos requisitos que o governo vai estabelecer, que esse profissional seja o laranja, pelos compromissos que ele vai assumir. Com o trabalho que ele vai desempenhar, ele vai ser a cara da empresa diante da sociedade, do Ministério da Fazenda”.
Regulamentar trará controle maior sobre o mercado das bets
Para o jornalista investigativo e pesquisador Sérgio Ramalho, que também compôs a bancada do programa desta sexta (23), a regulamentação das bets visa trazer um controle maior sobre um mercado já em expansão.
“Regulamentar é a melhor forma que a gente tem, mas isso também não vai afastar esses grupos, essas organizações criminosas, agora, só deu uma dimensão transnacional, a gente está vendo organizações criminosas brasileiras atuando junto com transnacionais. O Estado precisa ser mais ágil, inclusive, em parcerias com outros países”.
Para Ramalho, apesar da nova legislação obrigar essas empresas a se estabelecerem no Brasil, o que pode facilitar a fiscalização pela Receita Federal e pela Polícia Federal, ainda há preocupações com a eficácia da regulamentação, já que grupos criminosos podem encontrar maneiras de burlar o sistema.
“Eles vão encontrar o meio para fazer. E não paga só com cartão de crédito. Você pode pagar com pix, esse pix pode ser aberto numa conta que você não sabe exatamente a origem. É complexo, a gente está falando de ferramentas de tecnologia muito complexas, muito sofisticadas, você opera dinheiro daqui do Brasil em outro lugar”.
Para a psiquiatra Sônia Maria Motta Palma, o cenário atual mostra a fragilidade das políticas de saúde mental no campo das dependências que afetam o sistema de recompensa cerebral, um problema que já passou da hora de ser solucionado com a devida atenção que merece.
“Talvez esse seja o momento das pessoas envolvidas, ligadas às universidades, aos serviços públicos, cobrarem por essa especialização, esse olhar, esse cuidado. Isso já deveria estar em um patamar mais elevado. A questão das bets é mais um prolongamento do que nós já temos”.
Para Sérgio Ramalho, “Existe uma fina ironia interessante de que quem lucra com isso também pague por esses tratamentos”.
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