Em matéria da DW, o jornalista Holly Young destaca que 90% da perda de florestas no mundo é causada pela expansão da agricultura. Entre 1990 e 2020, houve a conversão para uso agrícola de área de floresta maior que a área territorial da União Europeia (UE). Apenas sete commodities – madeira, borracha, gado, café, cacau, óleo de palma (dendê) e soja – foram responsáveis por 57% de toda a perda de cobertura florestal associada à agricultura entre 2001 e 2015, substituindo uma área de floresta duas vezes maior que a Alemanha.
A defesa das florestas, da biodiversidade e o enfrentamento da crise climática, serviu de substrato político para a aprovação, em 2023, do Regulamento de Desmatamento da UE (EUDR), a chamada Lei Antidesmatamento que deverá entrar em vigor no final do presente ano. A partir de então, os exportadores para o mercado da UE deverão provar que essas mercadorias não foram produzidas em áreas desmatadas após 2020.
A legislação garante roupagem ambiental para propósitos protecionistas, e imporá algumas dificuldades para as exportações brasileiras para aquela região. Até o momento não surtiram efeito os apelos do presidente Lula, em especial, ao presidente Macron que sofre pressões insuperáveis pelos fazendeiros franceses. O resultado tem sido a inviabilização do Acordo Mercosul/UE com mais de 20 anos de negociações. Existe um grande esforço diplomático por vários países pelo adiamento da entrada em vigor da matéria. Contestam a União Europeia sobre a complexidade e os custos administrativos dos procedimentos de rastreamento das cadeias e certificação desse processo.
Não obstante as malícias protecionistas do Ato europeu, e as dificuldades operacionais para a devida conformidade pelos produtores e exportadores, devemos admitir que as restrições da UE ajudam os esforços brasileiros para a contenção do desmatamento da Amazônia. Geram efeitos dissuasivos de práticas socioambientais condenáveis. E, convenhamos, ainda que sem escapar de algumas dificuldades, aqueles que não cometeram ou cometerem os crimes ambientais atacados pelo Ato europeu poderão, sim, demonstrar a correção das suas condutas.
Tomando-se o caso da soja para se inferir sobre os impactos da medida, as vendas externas de soja pelo Brasil proveem em 40% da área amazônica. Em 2023 o Brasil exportou 8 bilhões de dólares em soja para a UE, dos quais, grosso modo, 3.2 bilhões de dólares do produto oriundo da Amazônia. Estudo divulgado pela revista Science em 16/jul/2020, afirma que até 22% da soja produzida na Amazônia e no Cerrado e exportadas para a União Europeia podem ter rastros de desmatamento ilegal. Nessas hipóteses desancoradas de maior rigor técnico, teríamos que especificamente no caso da “soja na Amazônia” nossas exportações para a UE poderiam ser impactadas temporariamente em cerca de 700 milhões de dólares/ano. Assim, ajudariam no desestímulo ao desmatamento. Porém, em compensação, temos as compras do produto pela China em valores cinco vezes maiores, e sem qualquer restrição da espécie. De todo modo, a Lei Antidesmatamento da UE tem o condão adicional de forçar que repensemos a ocupação produtiva da Amazônia.
Na atualidade, a soja seria uma boa aposta para uma região cuja integridade da massa florestal nativa e biodiversidade são fundamentais para o equilíbrio climático do planeta? Qual a mediação possível para que essa função estratégica da Amazônia se dê com a preservação dos nossos interesses econômicos e, por conseguinte, sem o comprometimento do direito ao desenvolvimento da nossa população? A propósito, em 1990, a área com soja na Amazônia era restrita em 99% ao estado do Mato Grosso. O Pará que na época não tinha soja, na atualidade apresenta área com a cultura equivalente a 51% da área total plantada com lavouras temporárias. Acho que dispomos de alternativas econômicas viáveis e mais inteligentes à luz dos direitos difusos e coletivos.