Riscos e Incertezas – Regulação Financeira como instrumento ao enfrentamento da crise climática, ambiental e social
por Ana Luiza e Beatriz Silva
A crise climática deixou de ser um problema do futuro e já tem causado efeitos imediatos, especialmente refletidos no aumento e intensidade de eventos climáticos extremos. Na verdade, a crise é mais do que climática, ela é tripla – é uma crise climática, ambiental e social.
Nos últimos anos, furacões inesperadamente severos, ondas de calor e incêndios florestais têm afetado milhões de pessoas. A perda da biodiversidade é severa – as ameaças aos ecossistemas estão relacionadas principalmente à atividade humana, como o desmatamento ou a poluição.
Os efeitos são intensos e velozes – e alguns biomas estão próximos de seus tipping points, ou pontos de não retorno. As consequências da superação desses pontos não serão graduais, nem mesmo previsíveis, e se manifestarão de diferentes formas em cada região, setor econômico e sociedade.
O enfrentamento dessa tripla crise requer uma transição verde sustentável – definida como a mudança de uma economia intensiva em emissões de gases de efeito estufa para uma economia de baixa intensidade de emissões, minimizando a perda de biodiversidade e desigualdades sociais. Trata-se de uma mudança transformadora na estrutura econômica em direção a uma economia mais sustentável.
A transição envolve uma reconfiguração abrangente dos sistemas de produção, padrões de consumo e estratégias de investimento para se alinhar com princípios ambientalmente sustentáveis e socialmente inclusivos. Implica em se afastar de atividades intensivas em recursos e altamente carbonizadas em direção a processos mais limpos, verdes e eficientes em termos de uso dos recursos.
O objetivo é fomentar uma economia onde o crescimento e o desenvolvimento sejam desvinculados de danos climáticos, ambientais e sociais e onde os benefícios desse crescimento sejam mais uniformemente distribuídos entre diferentes regiões, setores e grupos sociais.
Alcançar essa transição coloca o sistema financeiro no centro da discussão. Estima-se que, até 2050, será necessário um investimento anual entre US$ 3,5 trilhões e US$ 4,5 trilhões.
Isso porque o sistema financeiro, formado por instituições financeiras, mercados financeiros e agentes reguladores, são criadores e direcionadores de recursos que podem financiar investimentos capazes de ocasionar mudanças estruturais para o enfrentamento dos efeitos da tripla crise climática e para o estímulo à transição verde sustentável.
A tripla crise está se tornando cada vez mais uma preocupação fundamental para instituições financeiras e reguladores em todo o mundo. Diante dessa emergência, bancos centrais e supervisores financeiros estão intensificando seus esforços para explorar formas de proteger o sistema financeiro contra os riscos climáticos.
Entende-se que reformas econômicas e financeiras severas serão fundamentais para catalisar uma transição verde sustentável. A tripla crise provoca riscos inerentes à estabilidade do sistema financeiro, pois representa uma mudança significativa na expectativa de retorno impactando a composição dos ativos econômicos nos portfólios dos agentes econômicos.
A materialização de tais riscos ainda é incipiente e suas consequências ainda são desconhecidas. Neste sentido, tais riscos precisam ser integrados ao arcabouço regulatório, implicando uma ruptura epistemológica na abordagem da gestão de risco.
A crescente conscientização da gravidade do contexto tem gerado reações importantes. Na agenda dos bancos centrais e autoridades reguladoras, fortemente atrelada ao mandato de combate à inflação e da busca pela estabilidade financeira, discussões e avanços têm sido feitos para a compreensão dos riscos e sua incorporação aos arcabouços regulatórios, na normatização de estímulos à inclusão da questão ambiental nas decisões das instituições e na formatação de instrumentos nos mercados de capitais.
Mas ressalta-se que a perspectiva ainda predominante foca na necessidade de geração de informação e para a mensuração dos riscos climáticos, ambientais e sociais como fundamentos para ação. A ênfase em transparência, análise de cenários e testes de estresse sugere que esses métodos são capazes de fornecer avaliações quantitativas seguras dos riscos associados.
Esta visão parte da premissa de que os mercados financeiros são eficientes para melhor alocar recursos e que o papel do Estado, portanto dos reguladores, é corrigir eventuais falhas de mercado.
Esta perspectiva é influenciada pelo arcabouço neoclássico, que internaliza a temática ambiental como uma extensão da teoria microeconômica do bem-estar, na qual variáveis ambientais se inserem no modelo de equilíbrio de mercado.
No entanto, o tamanho da crise, a necessidade de seu enfrentamento da forma rápida e abrupta, necessita de novos formas de intervenção. Necessita de um sistema financeiro funcional para a transição climática, o que implica incorporar no processo de escolha a incerteza (como distinta de risco).
Portanto, não é à toa que a regulação, de uma forma mais ampla, é central no enfrentamento da crise climática, ambiental e social: mas não apenas com um papel reativo, que implica a incorporação dos riscos climáticos, físicos e de transição, mas sim, com um papel ativo, que trata não somente do estímulo, mas da indução de mecanismos de financiamento de posições (investimentos) sustentáveis, porém com elevada incerteza sobre riscos e retornos, que contribuam para a transição verde sustentável.
Fernanda Feil – Professora colaboradora no Programa de Pós-graduação em economia do Programa de Pós-graduação (PPGE) da UFF e pesquisadora do Finde/UFF
Carmem Feijo- Professora titular na Universidade Federal Fluminense (UFF), pesquisadora CNPQ e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento – Finde/UFF
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O Grupo de Pesquisa em Financeirização e Desenvolvimento (FINDE) congrega pesquisadores de universidades e de outras instituições de pesquisa e ensino, interessados em discutir questões acadêmicas relacionadas ao avanço do processo de financeirização e seus impactos sobre o desenvolvimento socioeconômico das economias modernas. Twitter: @Finde_UFF
O Grupo de Estudos de Economia e Política (GEEP) do IESP/UERJ é formado por cientistas políticos e economistas. O grupo objetiva estimular o diálogo e interação entre Economia e Política, tanto na formulação teórica quanto na análise da realidade do Brasil e de outros países. Twitter: @Geep_iesp
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