Em entrevista ao Entrelinhas Vermelhas, transmitida nesta quinta-feira (21), o líder do PCdoB e ex-presidente da UNE, Renildo Calheiros, fez uma análise contundente da conjuntura política nacional e internacional, destacando a importância da soberania nacional diante da agressividade comercial de Donald Trump e da tentativa de ingerência nos processos democráticos brasileiros.

“O Brasil é uma nação soberana. E não pode em hipótese nenhuma abrir mão disso”, afirmou Calheiros, ao contextualizar o histórico de lutas do país por autonomia, desde a independência até a redemocratização.

Para Calheiros, o atual governo enfrenta um cenário de heranças profundas: desigualdade extrema, infraestrutura defasada e uma democracia ainda em construção. “Somos a nação mais desigual do mundo. Isso é fruto de uma elite que nunca cuidou do povo. E nossa democracia é jovem, frágil, marcada por ditaduras. Por isso, cada avanço precisa ser defendido com vigor.”

Assista a íntegra da entrevista:

“Regulação das Big Techs é urgente. Liberdade de expressão não pode abrigar crime”

Calheiros defendeu a regulação das plataformas digitais, em um momento em que o debate volta à tona após o vídeo do youtuber Felca sobre a sexualização de crianças na internet.

“Donald Trump fala em liberdade de expressão, mas expulsa estudantes, corta verbas de universidades, proíbe cientistas de entrar nos EUA. Quem é ele para falar em liberdade?”, ironizou.

Para Calheiros, as redes sociais não podem ser territórios livres para a propagação de ódio, desinformação e crimes como pedofilia. “Se um jornal publica uma mentira, é processado. Por que nas redes isso é permitido? A regulação não é censura — é responsabilização.”

Ele lembrou que a Europa já avançou nesse campo e que o Brasil precisa seguir o mesmo caminho: “Hoje, a maioria do Congresso é favorável. O equilíbrio que paralisou o PL das Fake News desapareceu. Um projeto bem feito será aprovado.”

Trump, Bolsonaro e o golpe que falhou: “É tudo parte do mesmo jogo”

A entrevista mergulhou fundo no episódio do 8 de janeiro, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram os Três Poderes. Calheiros fez um paralelo direto com a tentativa de golpe de Donald Trump nos EUA em 2021: “São presidentes que perderam a eleição e tentaram se manter no poder por meios ilegais. O Bolsonaro, como o Trump, trabalhou durante meses para desacreditar a urna, para gerar desconfiança sobre a democracia.”

Ele detalhou como o ex-presidente brasileiro articulou uma estratégia de pressão sobre as Forças Armadas, com manifestações em frente a quartéis e planos para assassinar Lula, Alckmin e ministros do STF. “Havia um plano concreto. O ministro da Marinha chegou a endossar o golpe. Mas não houve apoio unânime nas Forças Armadas. Foi isso que impediu o sucesso.”

Calheiros defendeu o julgamento em curso no STF como essencial para a preservação da democracia: “Quem comete crime precisa responder. Não é por popularidade, mas por justiça. E o que está em jogo não é o Bolsonaro, mas o Estado de Direito.”

Tarifaço de Trump: mentira, chantagem e desrespeito à soberania brasileira

O líder comunista também criticou duramente o anúncio de tarifas elevadas por parte de Trump contra produtos brasileiros. “É uma agressão baseada em mentiras. Ele diz que o Brasil prejudica os EUA, mas a balança comercial é altamente favorável aos americanos. Nós temos déficit, eles têm superávit.”

Segundo Calheiros, uma das exigências de Trump para suspender as tarifas é a anistia aos golpistas de 8 de janeiro — uma condição inaceitável. “Ele quer que o Brasil anule processos judiciais, impeça o julgamento de um golpe militar. Isso é um desrespeito à nossa Constituição, à nossa soberania. Nem nos EUA a Suprema Corte faria isso.”

Ele destacou que a medida é parte de uma estratégia global de Trump para retaliar o mundo diante da ameaça ao dólar como moeda hegemônica. “O BRICS avança na ideia de moedas próprias. Isso tira o poder dos EUA de imprimir dinheiro infinitamente. E é isso que faz o Trump tremer.”

Brasil Soberano: “Medida provisória será aprovada com rapidez”

Em resposta ao tarifaço, o governo Lula lançou o programa Brasil Soberano, com uma medida provisória de R$ 30 bilhões para socorrer setores afetados, como o agronegócio e a indústria. O pacote inclui financiamento, postergação de impostos, compra de produtos para a merenda escolar e formação de estoques reguladores.

Calheiros avaliou positivamente a iniciativa: “É um projeto abrangente, inteligente e solidário. Vai preservar empregos, evitar quebra de empresas e fortalecer a economia interna.”

Sobre a tramitação no Congresso, ele foi enfático: “A MP será aprovada com rapidez. O bolsonarismo está se isolando. Eles ocuparam fisicamente as mesas da Câmara e do Senado para impedir sessões — algo sem precedentes. Isso não é obstrução regimental, é obstrução autoritária, que lembra o 8 de janeiro.”

Parlamentares bolsonaristas devem ser punidos, diz Calheiros

A ocupação das mesas do Congresso por deputados e senadores bolsonaristas gerou, segundo Calheiros, um risco grave à normalidade democrática. “Jamais tínhamos visto algo assim. Impedir que o presidente da Casa conduza sessões é uma afronta ao funcionamento do Legislativo.”

Ele cobrou punições exemplares: “Já existem 14 representações no Conselho de Ética da Câmara. Acredito que vários serão punidos. O melhor teria sido o afastamento imediato pela Mesa, mas o caminho escolhido foi o ético. Vamos acompanhar.”

Para o líder do PCdoB, o episódio mostra que “a tentativa de golpe não acabou em 8 de janeiro. Ela se espalha por dentro do próprio Congresso, com práticas que atrofiam a democracia”.

Imposto de renda zero até R$ 5 mil: “É justiça tributária”

Calheiros também se posicionou a favor da proposta de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil — um projeto que estava prestes a ser votado quando os bolsonaristas obstruíram o Congresso.

“É um projeto que beneficia milhões de brasileiros. E quem ganha menos, quando recebe esse dinheiro, gasta imediatamente: na feira, na farmácia, no transporte. Isso movimenta a economia inteira”, explicou.

Ele destacou ainda que a medida será financiada por uma alíquota maior sobre os mais ricos: “É justiça tributária. Sair de um sistema regressivo, onde os pobres pagam mais, para um sistema progressivo, onde quem tem mais paga mais. Isso é o mínimo que uma nação civilizada deve fazer.”

PCdoB comemora 40 anos de legalidade e prepara 16º Congresso

Ao falar do seu partido, Calheiros destacou que o PCdoB completou 40 anos de legalidade contínua — uma conquista histórica após décadas de perseguição. “É um símbolo da maturidade democrática do Brasil.”

O partido realiza seu 16º Congresso, um processo coletivo e democrático que envolve militantes de todo o país. “É onde definimos nossa plataforma para os próximos anos. Um momento rico de debate e construção.”

Bancada comunista: “Cada deputado vale por dez”

Sobre a atuação da bancada do PCdoB na Câmara, com nove deputados, Calheiros destacou a força e a experiência dos parlamentares, todos vindos das lutas sociais com “trajetórias incríveis.”

“É difícil eleger comunistas num sistema dominado pelo poder econômico. Mas com nove, causa um barulho enorme. Porque cada um carrega a voz dos trabalhadores, dos jovens, dos oprimidos.”

“A democracia precisa de luta, vigilância e rua”

Encerrando a entrevista, Renildo Calheiros, que foi presidente da UNE na queda da ditadura militar, lembrou que a democracia não se constrói só nas urnas. “Precisa de rua, de mobilização, de coragem.”

“Vivemos uma fase em que as pessoas atuam mais nas redes do que nas praças. Mas acreditamos que o povo voltará às ruas. E quando isso acontecer, será para defender o que é nosso: liberdade, soberania e justiça social.”

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Last Update: 21/08/2025