Foto: Mariza Rigo

Por Katia Marko/ MST no RS
Da Página do MST

O bioma Pampa, localizado no Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, é uma vasta área de campos naturais com características únicas e de grande importância ecológica. Apesar de sua relevância, é um dos biomas mais ameaçados e menos protegidos do Brasil proporcionalmente, superando a Amazônia e o Cerrado em termos de perda de vegetação nativa.

Entre 1985 e 2022, o Pampa gaúcho perdeu quase 3 milhões de hectares, o que representa uma redução de 30% em quatro décadas. Conforme dados do MapBiomas, passou de 64% de cobertura natural em 1985 para 44,5% em 2024. O dado aponta o bioma gaúcho como o que mais se transformou proporcionalmente no Brasil desde o início do monitoramento.

A vegetação do Pampa é predominantemente composta por grandes campos de gramíneas, com cerca de 450 espécies identificadas. Além das gramíneas, o bioma abriga florestas ciliares, arbustos, 150 espécies de leguminosas, bromélias e 70 tipos de cactos, totalizando mais de 3 mil espécies de plantas, muitas delas endêmicas. A fauna também é rica e diversificada, incluindo 102 espécies de mamíferos, 476 de aves, 50 de anfíbios, 97 de répteis e 50 de peixes. Espécies como a ema, o quero-quero, o sapinho-de-barriga-vermelha, o tuco-tuco e o veado-campeiro são exemplos da biodiversidade local. O termo “Pampa” tem origem quíchua e significa “região plana”, refletindo a paisagem característica do bioma.

Escola Estadual Chico Mendes. Foto: Mariza Rigo

Entre as principais causas dessa degradação está o avanço da monocultura de soja, um dos maiores impulsionadores do desmatamento, com um aumento de 2,1 milhões de hectares de uso agrícola do solo para essa cultura. Além da expansão de plantações de pínus e eucalipto (silvicultura), que também contribui significativamente para a perda de vegetação nativa, com um aumento de mais de 720 mil hectares (crescimento de 1.667%).

A silvicultura não recupera o areal, apenas o oculta, substituindo a biodiversidade nativa. E justamente para contrapor essa imagem de destruição, mostrando as experiências de quem reconstrói o bioma, que a campanha “Registros da Terra: o MST e os biomas brasileiros” ganha sentido”. Um desses focos de resistência e reconstrução floresce no coração do Pampa. Em meio a esse cenário, uma escola localizada no assentamento Santo Elmira, em Bagé, completou 35 anos de história, marcando não apenas a trajetória educacional dos filhos de assentados, mas também se consolidando como um modelo de resistência, agroecologia e preservação ambiental no bioma Pampa.

Origens marcadas pela Luta por Terra e Direitos

Foto: Mariza Rigo

Fundada em meio a desafios e conquistas da luta pela terra, a Escola Estadual Chico Mendes hoje atende 17 assentamentos e comunidades vizinhas, integrando a educação formal com projetos práticos de sustentabilidade. Segundo o diretor da escola, Marciano de Gasso, as famílias que deram origem ao assentamento Santo Elmira, onde a escola se localiza, chegaram em 14 de maio de 1989. Muitas delas foram diretamente impactadas pelo Massacre de Salto do Jacuí, ocorrido em março do mesmo ano.

“A concessão de terras, embora em condições precárias e distantes de centros urbanos como Bagé (80 km sem estradas) e em meio a uma forte estiagem, veio como resposta à repercussão do evento na imprensa e à pressão social contra a violência do governo da época, sob o comando de Pedro Simon. A educação foi uma das prioridades desde o início, um dos pilares da luta pela terra, junto com produção, saúde e moradia”, recordou.

Neste sentido, o diretor destaca que a Escola Chico Mendes surgiu de forma precária, com professores voluntários e apoio de sindicatos (bancários, educação, professores municipais de Bagé) e outras organizações como Cáritas.

“Inicialmente funcionando como anexo de uma escola em Bagé, a Escola Artur Lopes, foi oficializada como Chico Mendes em 1991, embora já fosse conhecida por esse nome desde o princípio. A escolha do nome, decidida em assembleia, foi uma homenagem a Chico Mendes, assassinado em dezembro de 1988, simbolizando a luta pela terra, a defesa da natureza, a resistência e a busca por direitos e justiça social.”

Crescimento e desafios da Educação do Campo

Foto: Mariza Rigo

Ao longo de 35 anos, a escola expandiu seu alcance e hoje atende alunos do primeiro ao sétimo ano do Ensino Fundamental, como escola estadual, e oferece Educação Infantil em parceria com o município de Bagé desde 2013. Atualmente, o total de alunos entre as esferas estadual e municipal soma cerca de 105.

A professora Cenira Hahn destaca que a escola Chico Mendes tem enfrentado, como outras escolas do campo na região de Bagé, o risco de fechamento devido a políticas governamentais de redução de custos. Das 17 escolas que existiam na região da Hulha Negra, hoje restam apenas duas. Segundo ela, para evitar o fechamento, a equipe da escola percebeu a necessidade de “trabalhar o diferente” e envolver a comunidade escolar, focando em projetos que atendam às necessidades ambientais e culturais da região.

Projetos ambientais: conscientização e transformação

Foto: Mariza Rigo

A partir de 2017, a Escola Chico Mendes intensificou o desenvolvimento de projetos ambientais, com foco na conservação do ambiente local e na preservação do bioma Pampa. O primeiro projeto se chamou “Protegendo as Águas do Pampa”. Em 2023, este projeto foi selecionado e apresentado na Expointer.

O professor Vagner Vicentin Pércio recorda que um marco fundamental para o desenvolvimento desses projetos foi a contaminação da água da escola em 2017, que levou à parceria com o Instituto Cultural Padre Josimo para a recuperação de uma nascente no local.

“O projeto incluiu reflorestamento, limpeza e o plantio de mais de 200 árvores nativas, com apoio da comunidade e alunos. Análises da Unipampa confirmaram a boa qualidade da água recuperada. Esse sucesso inspirou muitas famílias a replicar a iniciativa em suas propriedades”, ressaltou.

Foto: Mariza Rigo

Outros projetos importantes desenvolvidos pela escola incluem:

  • Agrofloresta: Uma pequena área de agrofloresta foi criada, interligada à nascente, com diversos experimentos e reconhecimento em feiras de ciências, inclusive na Expointer.
  • Horta e pomar: O cultivo de horta e pomar promove a segurança alimentar das famílias e o resgate de sementes crioulas, estimulando a produção própria e a redução da dependência do comércio.
  • Guardiões das sementes crioulas e destilação de plantas aromáticas: Projetos que visam o resgate de sementes tradicionais e o estudo de plantas nativas com potencial medicinal e econômico, como a aroeira, que pode gerar renda familiar.
  • “Passarinho também Planta”: Um projeto que conscientiza sobre a importância da fauna na preservação do bioma Pampa, estudando aves nativas e seu papel no reflorestamento.
  • Distribuição de mudas e roteiro Paulo Freire: Durante a pandemia, a escola, em parceria com o MST, distribuiu mais de 2.000 mudas de árvores nativas para as famílias, nomeando a ação de “roteiro Paulo Freire” em homenagem ao educador.
  • Berço das mudas, minhocário e composteira: Iniciativas práticas que ensinam os alunos a produzirem suas próprias mudas e adubo orgânico, incentivando a replicação em casa.

Os projetos são interdisciplinares, práticos e envolvem todas as crianças, desde a educação infantil até o sétimo ano. A escola enfatiza que não são projetos “de papel”, mas atividades concretas que geram impacto real. Assim, cada uma dessas iniciativas é a prova do que a campanha “Registros da Terra” busca documentar: a recuperação de uma nascente é o “cuidado com a água”; a horta e o resgate das sementes crioulas são a produção de “alimento saudável”; a agrofloresta e o plantio de mudas nativas são a “reconstrução do bioma Pampa”. As fotografias dessas ações se tornam uma ferramenta para disputar os valores e símbolos mencionados na campanha, mostrando que a Reforma Agrária Popular é a alternativa concreta à crise ambiental.

Impacto na comunidade e visão para o futuro

Foto: Mariza Rigo

A Escola Chico Mendes atua como um centro de conscientização para a comunidade, buscando o “novo” além do básico de ler e escrever, alertando sobre as mudanças climáticas e a importância de práticas sustentáveis. “Os projetos visam mostrar alternativas econômicas mais seguras, como a agrofloresta, que protege o solo e a água, fundamental para o pequeno agricultor. A escola busca que os alunos retransmitam esse conhecimento em casa, e muitos pais já adotaram práticas como o plantio de árvores e a criação de pomares”, conta Cenira.

A escola, segundo a professora, reforça a importância de valorizar as raízes do Movimento Sem Terra e de manter os jovens no campo, para que amem o lugar onde vivem e se tornem os sucessores na agricultura familiar. “Professores como Vagner, que são filhos de assentados e estudaram na escola, exemplificam o retorno e o fortalecimento do campo. A meta é evitar que as terras, conquistadas com tanta luta, voltem a ser latifúndios.”

Segundo Marciano, a comunidade e as famílias participam ativamente das atividades da escola, com uma porcentagem de participação que chega a 90%. Cenira se emociona ao reforçar o papel da Escola Chico Mendes. “Seguimos plantando ‘sementes’ – as crianças – com a convicção de que muitas germinarão, contribuindo para a preservação do bioma Pampa e para a sustentabilidade da vida no campo.” É também por isso que a campanha Registros da Terra se torna tão necessária: para documentar não apenas a recuperação do Pampa, mas o florescer dessas “sementes” humanas que garantirão seu futuro. Cada fotografia enviada será mais que uma imagem, será prova viva de que existe um Brasil camponês que cuida da água, planta alimento saudável e reconstrói os biomas.

A convocatória para a participação na campanha Registros da Terra está aberta até 21 de setembro de 2025. Qualquer pessoa pode participar enviando até cinco fotos pelo WhatsApp ou e-mail da campanha. As imagens farão parte de uma exposição nacional lançada no Encontro Nacional do MST, em janeiro de 2026, e também de uma mostra online permanente.

Em um tempo de tantas catástrofes ambientais, registrar e compartilhar essas histórias é também uma forma de garantir segurança e preservação e de mostrar que outro futuro é possível, já está sendo plantado e merece ser visto”

– Chamado para a Campanha Registros da Terra: o MST e os biomas brasileiros”

O perfil e as imagens integram a campanha fotográfica do MST: “Registros da Terra: O MST e os biomas brasileiros”, com o envio de fotografias até o dia 21 de setembro de 2025. Saiba como enviar e acesse o regulamento pelo documento disponível abaixo.

Confira também algumas fotos do bioma:

*Editado por Fernanda Alcântara

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Governo Lula,

Last Update: 20/08/2025