Reflexões sobre o 9º Congresso Pan-Africano de Lomé, por Carolina Maíra Morais

O 9º Congresso Pan-Africano de Lomé: Um Marco Histórico na Luta por Reparação e Justiça

por Carolina Maíra Morais

Em sua nona edição, o Congresso Pan-Africano, realizado em Lomé, Togo, de 8 a 12 de dezembro de 2025, consolida-se como um divisor de águas na longa história desses encontros, inaugurados pela sociedade civil da diáspora em Londres, ha 125 anos. Em fevereiro deste ano de 2025, na sua Assembleia Geral em Addis Abeba, a União Africana, pela primeira vez, adotou oficialmente como tema central de seu ano a “Justiça e Reparações para Africanos e seus Descendentes”, reconhecendo formalmente a escravidão como um crime contra a humanidade e demandando reparações. Este ato sem precedentes confere uma nova dimensão e uma autoridade singular ao Congresso de Lomé, organizado com apoio da União Africana, situando-o no cerne de um movimento que deixa as margens do ativismo para ocupar o diálogo central da diplomacia continental.

O contexto global peculiar de 2025 – marcado pelo questionamento do multilateralismo tradicional e pela reorganização das forças do Sul Global – fornece o pano de fundo estratégico para este avanço. O Congresso Pan-Africano, termômetro das lutas e aspirações dos povos negros, demonstra mais uma vez sua vitalidade ao transformar uma demanda histórica da base em uma prioridade da agenda política institucional na África. O tema do Congresso conversa com o contexto em que se realiza: “Renascimento do pan-africanismo e o papel da África na reforma das instituições multilaterais: mobilizar recursos e reinventar-se para agir”. Nos textos aprovados pelas conferências preparatórias, ocorridas ao longo do ano de 2024 em seis países diferentes (Tanzânia, Congo, Marrocos, Mali, África do Sul e Brasil), a temática da reparação, justiça climática e protagonismo africano aparece com vigor.

De fato, a busca pela liberdade sempre foi o esteio desses congressos. Em julho de 1900, sob a liderança do historiador W.E.B. Du Bois, os debates do Congresso centravam-se no combate ao racismo virulento enfrentado pelos negros na diáspora, nas formas modernas de subjugação e nos conflitos imperiais da época. Cento e vinte e cinco anos depois, o combate ao racismo permanece, mas a resolução da conferência regional preparatória da 6ª Região, ocorrida em Salvador (agosto de 2024), evidenciou uma evolução crucial: a luta agora vai além. Ela exige reparação histórica e uma integração mais substantiva da 6ª Região da África (a diáspora) nos processos decisórios da própria União Africana. O Congresso de Lomé é a materialização desse saldo.

Ao reunir intelectuais, ativistas e líderes da sociedade civil de todas as seis regiões do continente, incluindo uma representação robusta da diáspora – com presença significativa do Brasil, através da Fundação Palmares e de organizações da sociedade civil –, o 9º Congresso Pan-Africano cumpre um papel catalisador. Seus debates sobre o futuro da África não são meramente reflexivos; são propositivos e estratégicos. Discutir a autonomia e o desenvolvimento da África no século XXI é inseparável da questão das reparações, fundamental para acelerar a realização da Agenda 2063: A África Que Queremos.

Portanto, o Congresso de 2025 transcende seu formato de encontro da sociedade civil. Ele se torna o epicentro simbólico e político de um momento histórico: o momento em que o continente, de forma unificada e através de seu maior órgão político, a União Africana, eleva a bandeira das reparações ao mais alto nível, em diálogo direto com suas comunidades globais. Em Lomé, as vozes dos afrodescendentes, somadas às do continente-mãe, ecoam com uma força nova: não é mais apenas um grito por reconhecimento, mas uma exigência diplomática, legal e moral por justiça reparadora. Este passo ousa corrigir, no plano político e econômico, as distorções de um crime histórico secular – a escravidão atlântica – reafirmando o pan-africanismo como uma filosofia viva e essencial para a construção de um futuro verdadeiramente soberano e equitativo, caminho para a reparação.

Carolina Maíra Morais – Historiadora e cofundadora da The African Pride
[email protected]

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: https://www.catarse.me/JORNALGGN

Artigo Anterior

STF inicia julgamento sobre Lei do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas

Próximo Artigo

Levantamento mostra rejeição ampla ao PL da Dosimetria nas redes sociais

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter por e-mail para receber as últimas publicações diretamente na sua caixa de entrada.
Não enviaremos spam!