O ACNUR anunciou que seu orçamento cairá de US$ 10,2 bilhões em 2025 para US$ 8,5 bilhões em 2026 — uma redução de quase 20%. A medida vem num momento em que o número de deslocados deve alcançar 136 milhões no próximo ano, um novo recorde global. A diretora de Relações Externas, Dominique Hyde, alertou que até 11,6 milhões de pessoas perderão acesso direto à assistência.

Historicamente, os Estados Unidos são o maior financiador do ACNUR. Mas cortes sucessivos nos orçamentos humanitários, em meio ao aumento dos gastos com defesa diante da guerra da Ucrânia e da tensão com a Rússia, reduziram drasticamente os recursos disponíveis. Apenas 23% das necessidades de 2025 foram atendidas até agora.

O anúncio não ocorre no vácuo. Ele espelha uma transformação mais ampla na ordem internacional: a prioridade dos principais doadores, sobretudo os Estados Unidos e potências europeias, migrou da ajuda humanitária para a defesa e dissuasão militar, impulsionada pela guerra na Ucrânia, pelo fortalecimento da OTAN e pela rivalidade com a Rússia e a China.

Orçamento em queda, demanda em alta

A redução do orçamento não é apenas um dilema administrativo em Genebra; tem impacto direto sobre nações que recebem grandes fluxos de refugiados e que já enfrentam fragilidade estrutural. Uganda, Chade, Líbano, Colômbia e Bangladesh são exemplos de países que dependem da cobertura do ACNUR para prover educação, saúde e abrigo a milhões de deslocados. Com menos recursos, esses governos podem ver a pressão social aumentar, alimentando conflitos locais, xenofobia e instabilidade política.

No Sudão do Sul, por exemplo, 75% dos espaços seguros para mulheres já foram fechados, deixando dezenas de milhares de refugiadas sem proteção contra a violência de gênero. Em Bangladesh, 230 mil crianças rohingya podem ficar sem acesso à escola. Esses cortes não apenas ampliam a vulnerabilidade individual, como também corroem os mecanismos de coesão social que evitam explosões de violência em campos de refugiados superlotados.

Esse desequilíbrio pode gerar um paradoxo: ao não investir na proteção e integração de refugiados, os Estados correm o risco de alimentar ciclos de instabilidade que, mais cedo ou mais tarde, transbordam fronteiras e voltam a demandar respostas militares ainda mais custosas.

Reflexos no Brasil

No caso brasileiro, as consequências também são concretas. O ACNUR projeta que metade das pessoas em necessidade de proteção internacional no país poderá ficar sem atendimento em 2025. Isso significa menos triagem de vulnerabilidades, menor apoio à integração e mais dificuldade em manter programas como a Operação Acolhida em Roraima. Sem apoio consistente, cresce o risco de que refugiados permaneçam em situação de dependência crônica da assistência emergencial ou até mesmo em condições precárias de informalidade urbana.

Os cortes tendem a agravar crises já existentes: famílias refugiadas são forçadas a escolher entre alimentação, medicamentos ou aluguel; mulheres e crianças ficam mais expostas a abusos; e aumenta a instabilidade em países que recebem grandes fluxos migratórios. Especialistas alertam que a retração pode minar os esforços internacionais de longo prazo e alimentar novos ciclos de deslocamento.

Apelo internacional

Hyde reforçou que o ACNUR tem capacidade de retomar programas rapidamente, caso haja mais financiamento. A agência fez um apelo direto a governos, instituições e indivíduos para ampliar urgentemente suas contribuições, antes que a crise humanitária se torne irreversível.

Os cortes no ACNUR expõem, em última instância, uma escolha de prioridades: tanques, drones e mísseis ganharam precedência sobre comida, abrigo e educação. O impacto humano dessa decisão se manifestará nos campos de refugiados, nas periferias de capitais africanas e latino-americanas, e nos fluxos migratórios que atravessam fronteiras em direção ao Norte global.

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Last Update: 01/09/2025