Redefinição do papel do BRICS+

por Maria Luiza Falcão Silva

O ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, abriu na segunda-feira (28), no Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, o encontro de ministros de Relações Exteriores do BRICS +. Essa reunião visa o alinhamento de posições a serem defendidas no encontro de Cúpula, que reunirá chefes de Estado e de governo nos dias 6 e 7 de julho, também no Rio de Janeiro. O Brasil exerce a presidência rotativa do grupo, em 2025.

O BRICS+ é composto por um conjunto de países que reúne Estados não ocidentais emergentes, mas muito influentes. Inicialmente eram Brasil, Rússia, Índia, China que se uniram para fortalecer a cooperação econômica, política e social entre eles, em 2009, e se chamavam BRIC. A ideia do BRIC surgiu em 2001, com o economista Jim O’Neill da Goldman Sachs, que usou o acrônimo para identificar as principais economias emergentes e com grande potencial para crescimento, em três continentes – América do Sul, Europa Oriental e Ásia. A África do Sul, representando o continente africano, foi incorporada ao grupo em 2011 que se transformou em BRICS. Com a adição de mais cinco países Egito, Etiópia, Irã e Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita surgiu o BRICS+. A Argentina seria o 11o membro, mas sua adesão não se concretizou haja vista a ascensão de Javier Milei à presidência do país, em dezembro de 2023, e seu total alinhamento com as ideias da extrema direita mundial, sob o comando hoje do presidente/imperador dos Estados Unidos, Donald Trump. A Indonésia foi a última a se associar como membro pleno. A sua adesão foi formalizada em 6 de janeiro de 2025. Hoje são 11 os países membros plenos. Mais de trinta países já manifestaram interesse em fazer parte do grupo no futuro próximo. 

As cúpulas do BRICS ocorrem a cada ano, sob a presidência rotativa do país hospedeiro. Em 2023 foi em Johanesburgo na África Sul. Em 2024 foi em Kazan, na Rússia e, em 2025, vai se realizar no Rio de Janeiro, no Brasil em 6 e 7 de julho.

Na XV Cúpula, realizada em Johanesburgo, em agosto de 2023, sob a presidência da África do Sul, foram admitidos como membros plenos: Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia e Irã.  O BRICS ampliado se reuniu na XVI Cúpula, em Kazan (Rússia), de 22 a 24 de outubro de 2024, sob a presidência da Rússia. O tema escolhido para a presidência russa foi “Fortalecendo o Multilateralismo para um Desenvolvimento Global Justo e Segurança”.

A reunião em Kazan ocorreu em pleno conflito com a Ucrânia e foi considerada um grande sucesso para Putin, e uma demonstração de que o isolamento da Rússia só ocorria do lado do Ocidente. Foi uma evidência de que o resto do mundo não Ocidental não havia aderido à política de pressão e às sanções impostas pelos Estados Unidos (EU) e União Europeia (UE) à Rússia, independentemente de endossarem ou não o comportamento russo em casos específicos como o da invasão da Ucrânia. 

Vários especialistas e analistas se debruçaram sobre o agrupamento que está em rápido crescimento:

Segundo o economista russo, Fiódor Lukyanov, Presidente, Conselho de Política Externa e de Defesa (Rússia), o BRICS + “até o momento, é um clube bastante amorfo com um único princípio unificador: criar um espaço de interação que ignore Estados e instituições ocidentais. Contudo, uma política abertamente antiocidental não prevalecerá no BRICS, visto que a esmagadora maioria dos Estados ali presentes não está interessada em agravar as relações com o Ocidente. Mas eles estão ansiosos por ter diferentes opções para construir laços políticos e econômicos, livres da orientação e dos mecanismos dos EUA e da UE.” 

Para Soumya Bhowmick, Membro e Líder, Economias Mundiais e Sustentabilidade no Centro para Nova Diplomacia Econômica (CNED), Observer Research Foundation (Índia) “ Historicamente, os BRICS têm tido mais sucesso em se opor ao domínio ocidental das estruturas de governança global do que em articular uma visão clara e coesa para a reforma. A crescente diversidade dentro do bloco expandido dos BRICS pode complicar os esforços para alcançar posições políticas unificadas, particularmente em fóruns multilaterais como o Grupo dos Vinte (G20).”  Soumya aborda uma questão interessante ligada à questão de segurança energética salientando que “embora a Organização dos Países Exportadores de Petróleo Plus (OPEP+) continue a gerir o mercado internacional de petróleo, o perfil energético expandido do BRICS poderá influenciar o setor a longo prazo. A inclusão dos Emirados Árabes Unidos e do Irã impulsiona significativamente o perfil energético do BRICS e, se a Arábia Saudita aceitar formalmente a adesão ao BRICS, o bloco representará 42% do fornecimento global de petróleo.” A Arábia Saudita já faz parte do grupo.

A Índia é ator fundamental no BRICS+ e voz de destaque do Sul Global.  Busca expandir sua influência diplomaticamente se posicionando como uma ponte entre as potências ocidentais e as economias emergentes. A Índia tem forte compromisso com um mundo multipolar equilibrado e uma ordem global reformada, mas defende a resolução de conflitos por meio da diplomacia.

Na verdade, a Índia reconhece no grupo uma oportunidade de promover seus interesses estratégicos e administrar as dificuldades que enfrenta com a China. Sua intenção parece ser evitar que o bloco seja dominado por interesses sino-russos, o que poderia prejudicar suas relações com o Ocidente. 

Embora todos os membros originais do BRICS tenham há muito reivindicado papéis de liderança no mundo em desenvolvimento, o BRICS expandido está emergindo como a voz coletiva mais importante do Sul Global. Isso deve ser interpretado como um sinal de crescente descontentamento com a atual ordem global liderada pelo Ocidente.

Essa aspiração reflete mudanças objetivas no cenário mundial. Primeiro, a redistribuição de potencial — demográfico, econômico, militar e, em certa medida, tecnológico — está criando as condições para um distanciamento do sistema de ordem mundial centrado no Ocidente. Os países não ocidentais tornaram-se muito mais fortes para exigir mudanças.  Em vez de vê-los como uma trama de propaganda russa ou uma ferramenta chinesa, o Ocidente precisa encará-los como um chamado para ouvir atentamente os ressentimentos, frustrações e demandas do mundo em desenvolvimento. 

Começou hoje (28 de abril), no Rio de Janeiro, o encontro com chanceleres e sherpas – diplomatas designados para encaminhar e costurar os temas em discussão para Cúpula de chefes de Estado e de governo, no Rio de Janeiro. No diálogo do BRICS em Kazan, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva já havia declarado que o tema para a Cúpula do BRICS+, sob presidência do Brasil, seria “Fortalecimento da Cooperação do Sul Global para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável”. Sob a liderança brasileira, o BRICS+ pretende avançar em temas estratégicos como cooperação em saúde global, mudança do clima, comércio, investimento e finanças, governança da inteligência artificial e desenvolvimento institucional do BRICS.

Contudo, tudo isso estava combinado antes de Donald Trump ganhar as eleições, assumir a presidência dos EU, decretar a guerra comercial seguida do tarifaço de 2 de abril, e entrar em confronto direto com seu maior concorrente e inimigo tanto na economia quanto na nova geopolítica, a China, nosso parceiro no BRICS desde 2009. Aliás o confronto é com o resto do mundo: “América First”.

No discurso de abertura da reunião de Ministros de Relações Exteriores do BRICS+ hoje (28) , no Rio de Janeiro, relata a Agência Brasil , que o ministro Vieira, chanceler do Brasil, fez alertas importantes:

“O conflito na Ucrânia continua a causar pesado impacto humanitário, ressaltando a necessidade urgente de uma solução diplomática que defenda os princípios e os propósitos da Carta das Nações Unidas”, disse o ministro.

“Esta reunião acontece em um momento em que nosso papel como grupo é mais vital do que nunca. Enfrentamos crises globais e regionais convergentes, com emergências humanitárias, conflitos armados, instabilidade política e a erosão do multilateralismo”, declarou Vieira.

“Com onze estados-membros representando quase metade da humanidade e uma ampla diversidade geográfica e cultural, o BRICS está em uma posição única para promover a paz e a estabilidade baseadas no diálogo, no desenvolvimento e na cooperação multilateral”, completou.

“É necessário assegurar a retirada total das forças israelenses de Gaza, assegurar a libertação de todos os reféns e detidos e garantir a entrada de assistência humanitária”.

Bem bonito o discurso do ministro Vieira, em defesa da paz e das soluções diplomáticas.  Mas desconheceu o horror que estamos vivenciando: a Era Trump. Não há como fechar os olhos. Quem pauta a paz ou a guerra nesse momento é o Imperador. Até a Europa encontra-se numa posição de submissão e fragilidade. O apagão de hoje foi assustador. Quem sabe o agrupamento BRICS+ emerge como a grande força para o enfrentamento com Trump?  Tudo que ele teme na sua covardia. Tenta sufocar um por vez.

Ao que parece a reunião do BRICS+ sob a presidência brasileira está permeada de incertezas e medos. Será que vamos amarelar para acomodar nossos interesses individuais? Não se trata mais de defender uma posição antiocidental, mas de preparar uma ofensiva sobre o Trump. O momento é de redefinição do papel do BRICS+ em um mundo que se afasta, inexoravelmente, da multipolaridade.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

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Last Update: 29/04/2025