
Por Paulo Capel Narvai*
O Globo e a mídia corporativa trabalham incansavelmente na “produção” da narrativa que vê derrota no recuo tático do presidente colombiano – que em alguns trechos exagerou nas tintas e se refugiu, ao argumentar, até mesmo em Cem Anos de Solidão. Mas, como alguns setores de esquerda estão “comprando” essa narrativa e vêm repercutindo “o recuo de Petro”, vale a pena colocar um “porém” nisso.
Começo assinalando que ao falar da Colômbia, Petro fala da América – ele não poderia, evidentemente, falar “em nome” de Outra América, ou Nuestra America. Mas é um erro lê-lo ao pé da letra. A literalidade é positivista, para alguém que se quer dialético.
O tal “recuo” e, sobretudo, a “derrota de Petro”, depende de como se “vê o mundo” – como sempre. O olhar do The Globe, conhecemos. Não há que nos iludirmos com esse olhar (o olhar do dono, do patrão, do burguês…). Mas, qual é o nosso olhar?
Eu, por exemplo, vejo de outro modo esse episódio. Começo pelos conceitos político-militares de recuar-avançar. “Avançar” e “recuar” são conceitos que devem ser dialeticamente utilizados. E não se confundem, como também se sabe, com os de vitória-derrota. Creio que, dialeticamente, Petro venceu essa parada.
Sim, à luz da lógica formal, “recuou”. Mas…, olha só. Trump assumiu mandando a América Latina à m*. “Não precisamos deles; eles é que precisam de nós”, blablabla. Não pautou a economia e a política da AL no discurso de posse e, entrevistado, falou de traficantes, bandidos, invasores, ilegais…

Claro que Petro poderia ter agido como o Lula: se fingir de morto, baixar a bola e fazer uma marolinha, questionando as algemas e os maus tratos à bordo do avião trumpista. Mas, altivo, Petro “foi pra cima”… Politicamente, usou retórica de esquerda, nacionalista, confrontou. Deu, a meu juízo corretamente, tratamento ideológico ao assunto.
Falou em reciprocidade a respeito de taxas de importação; sim, nisso blefou. Mas o blefe é parte do jogo político, não é conceito moral. O que importa é que Petro, com as forças que tem, e ciente das forças que não tem, não “passou pano”.
Em linguagem futebolística, eu diria que ele tomou um gol (Trump expulsou colombianos), mas fez uns 3 gols de contra-ataque: peitou Trump em sua decisão imperial, unilateral, obrigando-o a se manifestar sobre sua decisão – para quem se sente um Imperador, isso é muito.
Petro chamou a atenção para a sua Presidência, com uma posição latinoamericanista-bolivariana. Ideológico. Gol de Petro. Sinalizou para Trump – e para colombianos e estrangeiros – que, diferentemente do que vinha sendo até seu governo, a Colômbia se recusa ao papel de quintal que o Império sempre lhe reservou.
Como será esse outro papel da Colômbia e dos colombianos é assunto para a história. Ficou o registro: “alto lá; quintal, não”. Ideológico. Gol de Petro que, avançou, separando Trump (e os que mandam no poder no EUA), do povo estadunidense.
Os políticos que mandam no país são uma coisa; o povo e a cultura, outra… Ideológico. Assim, Petro fez um notável 3×1 no Nero-de-Washington. E, sim, recuou…
Mas foi um recuo com vitória política notável, pois Trump supunha não ter de se preocupar com “seu quintal”, mas está tendo de se ocupar da América que se recusa a beijar-lhe a mão…
Não é com ideologia que (também) devemos fazer esse tipo de enfrentamento, para combater fake news e pós-verdade e a ideologia que segue emanando da Casa Branca, intensificada por Trump?
Pois.
*Paulo Capel Narvai é professor titular sênior (aposentado) de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP)
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