Reconstruindo a indústria e as conexões entre as universidades e os empresários
por Augusto Cesar Barreto Rocha
As universidades lideram o ranking nacional de patentes (dos 20 primeiros, 15 são universidades públicas). Nossas empresas estão longe deste papel. Na sequência da reserva de mercado para a informática, encerrada durante o Governo Collor (1990-1992), as empresas nacionais importavam tecnologias para a produção de eletroeletrônicos, até serem substituídas por multinacionais. Isso é perceptível no mercado de televisores e computadores, por exemplo, que possuíam grandes fabricantes nacionais (CCE, Gradiente, Sharp, Itautec, Prológica etc.) que foram substituídos inicialmente pelas mesmas empresas com parcerias com empresas estrangeiras (Semp Toshiba, hoje TCL Semp, por exemplo) ou mesmo diretamente pelas multinacionais (Samsung, LG, Sony, HP etc.).
Manaus tem sido a sede preferencial e não exclusiva destas empresas. O desenvolvimento local de tecnologia tem uma Política Pública, chamada “Lei de Informática”, que substituiu a reserva de mercado, e é uma das poucas políticas para conter o processo de manutenção no país de um “fazendão” voltado apenas para o agroexportador. No governo Bolsonaro (2019-2022), foi eliminado o Ministério da Indústria (MDIC). Atualmente, o desenvolvimento industrial volta a ter prioridade com a Nova Indústria Brasil, a partir da reconstrução do MDIC, com a visão de Missões, defendidas pela italiana Mariana Mazzucato e outros pensadores da política industrial moderna, sob a liderança do Vice-presidente Geraldo Alckmin.
Nos últimos anos, alguns Programas Prioritários foram concebidos, mas ainda falta uma maior presença das empresas nacionais próximas das universidades e, ao mesmo tempo, existe nas universidades uma dificuldade para dialogar com os empresários. Entre os dois lados há um fosso enorme. Por um lado, o rescaldo do fim abrupto da reserva de mercado, somada com uma redução do financiamento público para a pesquisa, apoiado pelos empresários, com cortes de bolsas, dos financiamentos e ataque sistemáticos às recomposições salariais dos servidores públicos.
Professores e pesquisadores, no período 2013-2024 possuem uma perda acumulada de 50,6% frente a inflação, reduzindo a atratividade da carreira para as mentes mais brilhantes. Isso tem levado a um acirramento em um campo que deveria ser de enormes trocas e ganhos mútuos, como os que oportunizaram a criação da Embraer, as pesquisas da Petrobras em águas profundas e tantos outros resultados da pesquisa tecnológica nacional.
Na Amazônia, há um elemento adicional: a floresta. Como usar os recursos da floresta sem destruí-la? Estas e várias outras questões seguem sem respostas. Não há uma troca fluida e forte entre governos, empresários e universidades. Um dos campos onde há algum tipo de cooperação é o da computação e eletroeletrônica, onde se constata, por exemplo, o Instituto de Computação da UFAM como um dos 13 de maior excelência do país e empresas como a Samsung (multinacional coreana) e outras fazendo grandes investimentos no desenvolvimento de tecnologias móveis na região e em cidades como Campinas.
O ressentimento no ambiente acadêmico e a falta de visão científica no ambiente empresarial, que é uma consequência (ou seria causa?) dos desmontes industriais ao longo dos últimos anos. Uma grande parte dos empresários viraram comerciantes de kits chineses ou de outros países. Em uma geração, as conexões da indústria com a construção de pesquisas foi rompida, com a invasão destes insumos baratos, que tiraram a competência de construção e de engenharia nacionais, criando uma dependência tecnológica externa, onde industriais viraram comerciantes de “caixas pretas”, com lucro no curto prazo e dependência no longo prazo.
Como sair disso é uma questão não resolvida. Precisaremos estabelecer novas pontes entre universidades e empresas. A alocação de recursos para a inovação é fundamental, pois houve uma alegria no sucateamento dos laboratórios das universidades e isso precisa ser reconhecido. É necessário reintroduzir a universidade nas empresas e reintroduzir a engenharia nas empresas, em especial nas nacionais, pois as multinacionais estão com orçamentos gigantes para a inovação e não faltam mentes brilhantes ou caixa para isso.
Nas universidades, precisamos deixar o pensamento de escola e voltar para o posicionamento da pesquisa. O empresariado e a universidade nacional precisam despertar para a gravidade do momento ou voltaremos a aspirar ser colônia de alguma nação estrangeira. Antes era ouro por espelho. Hoje é soja por nuvem de computação ou chips da Nvidia. Precisaremos de muita dialética e de menos retórica, com algum amor e menos ódio ao próximo.
Augusto Cesar Barreto Rocha – Professor da UFAM.
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