A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes de barrar a viagem de Jair Bolsonaro (PL) aos Estados Unidos para a posse de Donald Trump traz notícias piores para o ex-presidente do que a retenção de seu passaporte.

Moraes foi taxativo no argumento central da ordem: é preciso evitar o risco de fuga de Bolsonaro. A negativa ocorre sob a expectativa de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o ex-capitão pela trama golpista de 2022.

Em outubro de 2024, a Primeira Turma do STF já havia rejeitado a devolução do passaporte a Bolsonaro sob o risco de “evasão”. Naquela ocasião, porém, o recado foi muito menos direto.

Entre as duas decisões, o principal acontecimento foi a conclusão da investigação da Polícia Federal sobre a conspiração para manter Bolsonaro no poder após a derrota para Lula (PT). Em novembro, a corporação enquadrou o ex-presidente nos crimes de organização criminosa, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

Os passos seguintes são a provável denúncia a ser apresentada pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, e o consequente julgamento pelo STF. É o caso mais grave e robusto contra Bolsonaro, também na mira pelos casos das joias sauditas e da falsificação de cartões de vacina.

Anotou Moraes: “Não há dúvidas, portanto, que, desde a decisão unânime da Primeira Turma, não houve qualquer alteração fática que justifique a revogação da medida cautelar, pois o cenário que fundamentou a imposição de proibição de se ausentar do País, com entrega de passaportes, continua a indicar a possibilidade de tentativa de evasão do indiciado Jair Messias Bolsonaro, para se furtar à aplicação da lei penal (…)”

O ministro também relembrou declarações de Bolsonaro a favor da fuga de condenados pelo 8 de Janeiro e sobre uma possível solicitação de asilo político para evitar uma (provável) responsabilização penal no Brasil.

Alexandre de Moraes buscou afastar alegações de que persegue Bolsonaro, sem mencioná-las diretamente. Afirmou, por exemplo, que desde o julgamento da Primeira Turma em outubro, o quadro que justificava medidas como a apreensão do passaporte se agravou. Neste ponto, fez questão de destacar “diversas diligências realizadas pela Polícia Federal, inclusive inúmeras representações à autoridade judicial, devidamente deferidas, com parecer favorável da Procuradoria-Geral da República“.

Só após a reunião de todos esses elementos, indicou o ministro, é que a PF finalizou o relatório com o indiciamento de Bolsonaro e mais 39 pessoas.

Os recados de Moraes vão além e reforçam sua avaliação de que a trama protagonizada por Bolsonaro e aliados civis e militares em 2022 tem íntima relação com os ataques golpistas que depredaram as sedes dos Três Poderes no início de 2023. Não é uma novidade no discurso do ministro, mas serve, na prática, como antecipação de voto na provável denúncia da PGR e, posteriormente, na definição da pena.

Em três trechos da decisão, Moraes cita “casos conexos” à apuração da PF no inquérito do golpe; em outro momento, fala de “crimes conexos”. Em todas essas passagens, ele se refere aos atos de 8 de Janeiro — Bolsonaro também é investigado como possível autor intelectual dos ataques.

“Em diversas outras oportunidades, o indiciado Jair Messias Bolsonaro manifestou-se, publicamente, ser
favorável à fuga de condenados em casos conexos à presente investigação e permanência clandestina no exterior, em especial na Argentina, para evitar a aplicação da lei e das decisões judiciais proferidas, de forma definitiva, pelo plenário do STF em virtude da condenação por crimes gravíssimos praticados no dia 8 de Janeiro de 2023 a penas privativas de liberdade”, escreveu o ministro.

Por fim, Bolsonaro tem poucos motivos para se tranquilizar com o argumento de que esta é a manifestação de apenas um ministro do STF, cujo plenário conta com 11 integrantes. Relator dos processos do 8 de Janeiro e do inquérito do golpe, Alexandre de Moraes prevalece em praticamente todas as votações: via de regra, por unanimidade na Primeira Turma e por maioria no plenário.

Nas ações penais do 8 de Janeiro, é comum haver divergências sobre as penas — Cristiano Zanin, por exemplo, costuma propor uma dosimetria mais branda, assim como Kássio Nunes Marques e André Mendonça —, mas as condenações são a praxe.

Há casos mais emblemáticos. No fim de dezembro, o Supremo condenou o ex-deputado federal Roberto Jefferson a 9 anos, 1 mês e 5 dias de prisão por calúnia, homofobia, incitação ao crime e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes.

Na ocasião, Moraes propôs essa pena e foi seguido por seis ministros: Flávio Dino, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Luiz Fux.

Zanin recomendou uma pena mais leve, de 5 anos, e foi acompanhado por Edson Fachin. Kassio foi o único a defender uma sentença de 2 anos e 11 meses, enquanto Mendonça, isolado, alegou incompetência do STF e não condenou Jefferson.

No simbólico caso de Jefferson, mais uma vez, prosperou a tese de Moraes, relacionando os fatos investigados à bola de neve que conduziria ao 8 de Janeiro. Não à toa, aliados de Bolsonaro viram o voto do relator como uma prévia da postura que adotaria a maioria da Corte no julgamento de denúncias sobre a tentativa de golpe de Estado em 2022.

Jair Bolsonaro ainda pode recorrer para tentar reaver seu passaporte, embora a derrota na Primeira Turma ou no plenário fosse certa. Mais do que isso, contudo, a decisão de Moraes realça outras consequências muito mais danosas ao ex-capitão do que a impossibilidade de posar para fotografias com Trump.

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Last Update: 16/01/2025