Na coletânea de contos A Pele em Flor, o mineiro Vinícius Neves Mariano reflete sobre o racismo estrutural no Brasil. Mas não só. Nos seis contos do livro, o autor investiga as possibilidades de que novas consciências sociais sejam formadas e reflete sobre o futuro que essa mudança poderia moldar.
O conto que abre o livro é Mal do Senhor. A história tem como ponto de partida um fato cotidiano: uma jovem atendente negra é humilhada por uma mulher branca em um café de uma livraria carioca.
Nesse episódio, o narrador, que tem o mesmo nome do autor, ouve, pela primeira vez, a expressão que dá título ao texto e que é proferida por Henrique Marques Samyn, seu amigo, professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – tanto no conto quanto na vida real.
O professor não se lembra onde ouviu ou leu a expressão, mas sabe o que ela significa: “uma enfermidade, uma moléstia que só acometia pessoas brancas incapazes de aceitar o fim da escravidão”.
O narrador dá início então a uma busca pela origem da expressão. Embora essa jornada diga respeito apenas ao primeiro conto, a ideia de uma busca pela compreensão do racismo permeia todos os textos.
Mariano usa sua escrita precisa para tratar, de forma criativa e afiada, dos enfrentamentos do racismo e para mostrar como essa questão atravessa, século após século, a história do País.

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Combinando elementos do realismo e do fantástico – e até mesmo do horror –, ele escancara as estruturas de poder que, nos anos mais recentes, têm começado a ser chacoalhadas de forma sistemática.
Ossos do Quintal é um dos contos mais marcantes do livro. A aura da narrativa faz lembrar a de um terror à Jordan Peele – diretor de filmes como Nós (2019) e Corra! (2017).
A trama começa no presente e, a cada segmento, volta no tempo com um elemento em comum: os tais ossos. As camadas que se acumulam no relato são aquelas da história do Brasil, constituída pela dinâmica de casa-grande e senzala.
O penúltimo conto toma seu título emprestado da simbologia Adinkra – povos da África Ocidental –, na qual Fawohodie significa independência e liberdade. O termo é empregado por uma poeta, prima do protagonista, que diz que a palavra remete ao “lugar onde está guardada toda a nossa história, vista de todos os ângulos”.
Ao dar forma literária à experiência negra brasileira ao longo do tempo, abarcando vários ângulos e pontos de vista, Vinícius Neves Mariano constrói uma obra marcante e relevante. •
Publicado na edição n° 1359 de CartaCapital, em 30 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Realismo, fantasia, horror e racismo’