No artigo Terraplanismo constitucional: Artigo 142 para dar golpe, Artigo 53 para se livrar da prisão, publicado pelo Brasil 247, o articulista Aquiles Lins declara que os parlamentares bolsonaristas estão fazendo lobby no Congresso Nacional a partir de uma “interpretação distorcida do artigo 53, ignorando limites constitucionais e ameaçando a democracia”. Este artigo diz o seguinte:
“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Trata-se de uma garantia constitucional de qualquer regime que se diz democrático.
Esta é uma garantia contra perseguição política, pura e simplesmente. A Constituição Federal de 1988 surge logo após o fim do regime militar, e obviamente reflete o receio de perseguição policial e judiciária contra parlamentares eleitos.
Segundo Lins,
“agora, em pleno 2025, a tentativa de driblar a ordem constitucional segue viva, e seu novo instrumento é o artigo 53, que assegura imunidade parlamentar. Só que desta vez, vimos uma deturpação constitucional promovida diretamente pela Câmara dos Deputados, com o objetivo inconstitucionalíssimamente desavergonhado de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros 33 réus envolvidos na trama golpista.”
A “deturpação” aprovada por mais de 300 deputados se trata da seguinte questão: o parágrafo da Constituição Federal fala em “crime ocorrido após a diplomação”, e o documento da Câmara dos Deputados fala para sustar a ação penal 12.100, ou seja, todo o processo, independentemente dos crimes lá averiguados.
Em grande medida, essa “invertida” é responsabilidade do próprio Alexandre de Moraes e da Procuradoria-Geral da República (PGR), que acusou quase todo mundo de quase todos os crimes, em peças genéricas, sem provas; em julgamento coletivo, um verdadeiro linchamento penal. O processo do STF contra os bolsonaristas, por essas e outras questões, é perseguição política. E a reação da Câmara dos Deputados não só é legítima, como está certa.
Esta é a decisão da Câmara dos Deputados:
“Nos termos do artigo 53, § 3°, da Constituição Federal c/c o artigo 251, V, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, comunico a Vossa Excelência que esta Casa, em Sessão Deliberativa Extraordinária realizada no dia 7 de maio de 2025, resolveu pela sustação da Ação Penal decorrente do recebimento da denúncia contida na Petição n. 12.100, em curso no Supremo Tribunal Federal.”
Alexandre de Moraes, o STF e a PGR deveriam ter pensado melhor antes de acusar uma coletividade de pessoas por crimes genéricos e sem provas. O resultado só poderia ser esse. Tal como está o processo, não é possível suspender uma ação penal de um crime específico de um determinado réu. A ação penal, de número único, envolve várias práticas delitivas e dezenas de investigados.
Segundo ele, “a proposta, relatada pelo deputado Alfredo Gaspar (União-AL), ampliou os efeitos da decisão da Câmara para todos os réus da denúncia aceita pelo Supremo Tribunal Federal — entre eles, Bolsonaro, ex-ministros e militares. É um ato escandalosamente contrário à Constituição, à soberania do poder Judiciário”.
O que foi totalmente escandaloso e contrário à constituição e contra os direitos democráticos foi a instauração deste e de outros processos contra os bolsonaristas. A reação da Câmara é legítima e natural, afinal, quem está na ofensiva contra uma série de garantias constitucionais é o Supremo Tribunal Federal.
“A manobra regimental conduzida pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve requintes de autoritarismo: permitiu manifestação apenas ao relator da proposta na CCJ, deputado Alfredo Gaspar, e ao próprio Alexandre Ramagem, que preferiu não se pronunciar. Sem possibilidade de discussão em plenário ou de retirada de pauta, votou-se no grito. Para transformar Ramagem em escudo parlamentar, a Câmara institucionaliza uma impunidade que a Constituição jamais autorizou.”
Aqui é preciso fazer uma rápida comparação. Apesar de tudo, Hugo Motta foi eleito? Sim. Recebeu votos do povo? Sim. Alexandre de Moraes ou algum ministro foi eleito ou teve algum voto para exercer um cargo de poder? Não.
Motta submeteu a proposta para votação da Câmara dos Deputados. Foram 315 votos a favor e 143 votos contra. As ações de Moraes e do STF são submetidas a algum controle? Não. Essas decisões do judiciário é que são tomadas “no grito”. Isso, por sua vez, funciona assim não só no STF, mas em todo o Judiciário.
“A votação simboliza mais do que um desvio interpretativo: representa a tentativa de legitimar institucionalmente um movimento antidemocrático. Ao suspender a ação penal, a Câmara transforma-se em trincheira da impunidade, em vez de casa da democracia”, afirma o colunista do Brasil 247.
Além disso, segundo ele, “ao extrapolar indevidamente seus próprios poderes para proteger envolvidos em uma tentativa de golpe, o Legislativo avança perigosamente sobre as prerrogativas do Judiciário e coloca em risco o equilíbrio entre os Poderes, como já escrevemos anteriormente”. E, por fim, “mais grave ainda: ao fazer isso para blindar quem agiu deliberadamente contra o estado democrático de direito, a Câmara sinaliza que a democracia brasileira continua sob ameaça. O golpismo de 8 de janeiro não terminou na vandalização da Praça dos Três Poderes — ele persiste nas manobras que buscam reescrever a Constituição em favor da impunidade”.
O que os deputados estão fazendo é uma resposta política contra as medidas políticas do STF. O resultado das medidas de “Xandão” não poderia ser outro. A Corte achou por bem instaurar um processo coletivo contra os integrantes de uma manifestação realizada em 8 de janeiro de 2023, incluindo aí várias pessoas que nem lá estavam. É impossível isso dar um resultado positivo do ponto de vista da esquerda.
Quem, de fato, colocou em risco o suposto equilíbrio dos poderes foi o STF, desde quando assumiu postura fundamental em todos os golpes de Estado que o Brasil sofreu. Afinal, é da suprema corte todas as chancelas do golpe de 2016 e demais ações decorrentes.
Por fim, quem reescreveu a Constituição Federal foi o próprio STF, com este e tantos outros processos. Em resumo, Moraes é vítima, promotor e juiz ao mesmo tempo; as acusações são quase iguais para todo mundo; não existe acesso integral aos autos ou às provas; foi criado o crime de “tentativa”, quando isso, na verdade, era causa atenuadora de pena, além de tantas outras medidas do STF que trucidaram os direitos democráticos da Constituição.
A reação da Câmara é até singela diante do que de fato pode acontecer. Prender injustamente pessoas, abrir processos políticos de perseguição e outras medidas policiais tendem a fortalecer aquilo que se busca combater.