O delegado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), começou a prestar depoimento à Polícia Federal (PF) no centro do Rio de Janeiro nesta quarta-feira (17), às 15h. Ele está sendo ouvido no contexto da Operação Última Milha, deflagrada em 11 de julho, que investiga, desde 2023, o uso indevido de sistemas da agência para espionar políticos, autoridades e jornalistas durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro.

Diretor da Abin na época, Ramagem é apontado como responsável por gravar uma reunião onde o ex-presidente e outros participantes discutiam o uso de órgãos públicos para interromper investigações contra o senador Flávio Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, no caso das “rachadinhas”.

A Abin, órgão principal do Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), tem como função fornecer informações estratégicas ao Palácio do Planalto, com a finalidade de evitar possíveis ameaças ao Estado democrático de direito e à soberania nacional. A PF deflagrou a quarta fase da Operação Última Milha em 11 de julho, visando desarticular uma organização criminosa que monitorava ilegalmente autoridades públicas e produzia notícias falsas utilizando sistemas da Abin.

Detalhes da investigação

Em nota, a PF informou que membros dos três poderes e jornalistas foram alvos do grupo, incluindo a criação de perfis falsos e a divulgação de informações sabidamente falsas. Nas investigações, a PF citou um áudio de 2020, possivelmente gravado por Ramagem, que revela uma conversa com Bolsonaro e o ministro Augusto Heleno sobre o caso das “rachadinhas” de Flávio Bolsonaro.

O áudio, de uma hora e oito minutos, foi apreendido pela PF. Segundo o relatório da PF, o encontro ocorreu em 25 de agosto de 2020. Uma das linhas de investigação é que o entorno de Bolsonaro buscou identificar quem na Receita Federal estava conduzindo a investigação, para posteriormente remover essa pessoa do processo.

Em pronunciamento nas redes sociais, Ramagem negou interferência: “Não há interferência ou influência em processo vinculado ao senador Flávio Bolsonaro. A demanda se resolveu exclusivamente em instância judicial”.

Implicações e ramificações

A PF apontou a “instrumentalização” da Abin para monitorar pessoas ligadas a investigações envolvendo familiares do ex-presidente Jair Bolsonaro. Um exemplo é o caso dos auditores da Receita que elaboraram o relatório que originou a investigação do esquema de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro. No relatório, os investigadores destacam que Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues, atuando clandestinamente a serviço da Abin, tentaram “achar podres” dos auditores da Receita responsáveis por elaborar relatórios de inteligência financeira sobre o senador.

Outro exemplo, segundo a PF, é a criação de provas a favor do “filho 04” do ex-presidente, Jair Renan Bolsonaro, que em 2021 era investigado por tráfico de influência. Para isso, o “gabinete paralelo” monitorou Allan Lucena, ex-sócio de Jair Renan, e Luís Felipe Belmonte, empresário envolvido no caso.

Difamação e fake news

A investigação também revelou ações de difamação contra os ministros do STF Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Segundo a PF, Marcelo Bormevet e Giancarlo Rodrigues produziram dossiês falsos e disseminaram fake news para minar a credibilidade das autoridades. O material falso contra Moraes, encontrado em um dispositivo de armazenamento, tentava associar o ministro ao delegado Osvaldo Nico Gonçalves.

As ações contra Barroso incluíam a criação de informações falsas relacionadas a declarações de perfis nas redes sociais. De acordo com a PF, essas movimentações faziam parte de um esforço maior para desacreditar o Poder Judiciário e o sistema eleitoral brasileiro.

Outras revelações

As investigações da PF também apontam que a Abin teria sido usada clandestinamente contra o senador Alessandro Vieira, que participava da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado. O colegiado investigava possíveis irregularidades cometidas pelo governo Bolsonaro na condução da pandemia no país. Ao final dos trabalhos, a comissão propôs o indiciamento do ex-presidente, de ex-ministros e de várias pessoas ligadas a Jair Bolsonaro.

Durante as diligências, a PF interceptou mensagens entre Bormevet e Rodrigues que incluíam referências relacionadas ao rompimento democrático e conhecimento potencial do planejamento das ações que culminaram na construção da “minuta do golpe”.

Operação Última Milha

A primeira fase da Operação Última Milha foi deflagrada pela PF em outubro do ano passado. À época, a corporação informou que investigava o uso indevido de sistema de geolocalização de dispositivos móveis sem a devida autorização judicial por servidores da própria Abin. Segundo a PF, o sistema de geolocalização utilizado pela Abin é um software intrusivo na infraestrutura crítica de telefonia brasileira.

Presos preventivamente na quinta-feira, Marcelo Araújo Bormevet e Giancarlo Gomes Rodrigues atuavam no Centro de Inteligência Nacional da Abin na gestão de Alexandre Ramagem. No diálogo mencionado no relatório da PF, a dupla discute a produção de um dossiê sobre o ministro do STF Alexandre de Moraes, tentando associar o magistrado a uma suposta investigação sobre corrupção.

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Última Atualização: 17/07/2024