O ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), enviou e-mails ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com orientações sobre como atacar as urnas eletrônicas. As informações são do jornal O Globo desta sexta-feira 26.
Os documentos mostram que o então chefe da inteligência brasileira orientou o ex-capitão sobre como ele poderia questionar a lisura das eleições e a credibilidade das urnas eletrônicas. Outras mensagens reveladas incitam Bolsonaro com relatos difamatórios contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Ramagem atualmente é deputado federal e pré-candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, com apoio de Bolsonaro. Ele também é investigado por comandar um suposto esquema de espionagem e perseguição de adversários políticos do ex-capitão por meio de operações ilegais da Abin. O caso é investigado pela Polícia Federal e ficou conhecido como ‘Abin paralela’. É justamente essas investigações que interceptaram a troca de mensagens entre Ramagem e o ex-presidente.
No depoimento que prestou à PF na semana passada, Ramagem foi confrontado pelos investigadores sobre o conteúdo das mensagens. Aos agentes, ele teria reconhecido o envio de e-mails a Bolsonaro, alegando que costumava escrever textos “para comunicação de fatos de possível interesse” do ex-presidente. Aos policiais, Ramagem disse, porém, não se recordar das mensagens específicas sobre as urnas eletrônicas.
As mensagens
Segundo o jornal, um dos documentos obtidos pela PF no computador do ex-diretor da Abin mostra orientações sobre como reforçar politicamente uma suposta ‘vulnerabilidade’ das urnas eletrônicas.
“Por tudo que tenho pesquisado, mantenho total certeza de que houve fraude nas eleições de 2018, com vitória do sr. [presidente Bolsonaro] no primeiro turno. Todavia, ocorrida na alteração de votos”, destaca o documento encontrado no e-mail de Ramagem. Ele não adiciona, porém, provas da sua afirmação.
O texto, em seguida, sugere que o ex-presidente passe a questionar a credibilidade dos dispositivos de votação com informações falsas.
“O argumento na anulação de votos não teria esse alcance todo. Entendo que argumento de anulação de votos não seja uma boa linha de ataque às urnas. Na realidade, a urna já se encontra em total descrédito perante a população. Deve-se enaltecer essa questão já consolidada subjetivamente […] A prova da vulnerabilidade já foi feita em 2018, antes das eleições. Resta somente trazê-la novamente e constantemente”, orienta Ramagem.
O texto coincide com as ações e discursos do ex-capitão naquela ocasião. Bolsonaro, importante lembrar, tornou-se inelegível após usar a estrutura do Planalto para por em prática uma estratégia bastante semelhante ao plano traçado pelo então chefe da Abin nos e-mails.
Outros arquivos encontrados no computador do deputado mostram também a existência de um grupo de trabalho para atacar o sistema eleitoral. O grupo contaria com ajuda do major da reserva do Exército Angelo Martins Denicoli, investigado por integrar um suposto plano golpista.
No depoimento, porém, Ramagem disse não lembrar de nenhuma ação ou trabalho com o militar.
Ataques ao STF e TSE
Em outro texto registrado no arquivo ‘Presidente.docx’, Ramagem sugere que o então presidente parta para o enfrentamento, adotando uma atitude hostil, em especial contra o STF e a Justiça Eleitoral.
“Bom dia, presidente. O Sr. mais do que ninguém conhece o sistema e sabe que não houve apenas quebra de paradigma na sua eleição, mas ruptura com esquema dos poderes […] nenhuma crise conseguiu enfraquecer sua base e não aparenta haver políticos à altura de vencê-lo em 2022. Portanto, parece que a batalha maior será agora, requerendo atitude belicosa com estratégia”, relata o arquivo encontrado pela PF.
De acordo com o jornal, Ramagem registra, sem apresentar qualquer fundamento, a possibilidade de existir um movimento de “golpe” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contra Bolsonaro.
“Há armadilhas sendo colocadas. O inquérito do Celso de Mello possui relação com o inquérito das fake News do Alexandre de Moraes com intuito de fundamentarem o golpe no TSE”, pontua o arquivo, fazendo referência a procedimentos envolvendo o ex-presidente que tramitavam na Justiça.
O ministro Alexandre de Moraes também foi alvo de “relatórios” extraoficiais da Abin. Em um dos arquivos mostra que Ramagem municiava o ex-capitão com relatos difamatórios sobre o magistrado.
Programa espião
No depoimento prestado à Polícia Federal, o ex-diretor da Abin teria reconhecido, também, que não conseguiu dar o controle devido sobre o programa espião First Mile. A ferramenta está no centro da suspeita do esquema de espionagem de adversários de Bolsonaro.
A suspeita dos investigadores é que Ramagem tinha conhecimento sobre o uso irregular da ferramenta e de consultas realizadas indevidamente, pois foram encontradas mensagens com indícios de que ele recebia informações sobre as operações clandestinas do órgão de inteligência.
Ao ser confrontado com essa relação, Ramagem disse à PF que “não se recorda da referida diligência e que não determinou qualquer uso da ferramenta”.
Para sustentar seu afastamento do caso, Ramagem teria afirmado que seu próprio celular estava entre os rastreados pelo sistema espião.