O programa Observatório de Geopolítica, da TVGGN, exibido nesta terça-feira (27), analisou a política externa do governo Lula 3 com o continente africano. 

Apesar de iniciativas recentes do governo Lula, como realizar um Fórum sobre Segurança Alimentar junto à União Africana, na semana passada, a atual relação entre Brasil e África é bastante diferente em comparação aos governos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

Anselmo Otavio, professor de Relações Internacionais da África e do Oriente Médio na Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/Unifesp), observa que nos governos Lula 1 e 2, havia uma tendência para criar uma agenda voltada especificamente ao continente africano, composta por diversas iniciativas de cooperação.

“Por mais que eu fale em uma relação Brasil e continente africano, o continente africano tem 55 estados, de acordo com a União Africana. Tem uma heterogeneidade gigantesca de interesses também. O Brasil buscou aprender a lidar com o continente africano não apenas como um espaço para projetar algum tipo de influência, algum tipo de poder, mas também de ganhar parceiros principalmente no âmbito global”, comenta Otavio.

O professor lembra que o continente africano coma um terço dos votos na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), fazendo com que a proximidade brasileira possa influenciar escolhas dentro da instituição internacional. Por isso, ele avalia que Lula soube lidar com estes fatores nos primeiros mandatos. 

Porém, o país viveu um momento de estagnação nas relações com os africanos a partir do governo de Michel Temer (MDB), em 2016, quando o país fechou embaixadas. Já na gestão de Jair Bolsonaro (PL), o afastamento foi total, tanto que o ex-presidente não visitou o continente uma vez sequer. 

Distanciamento histórico

Rômulo Neves, professor, pesquisador, diplomata e Autor de “Irmãos por parte de pai – A Política Externa para a África desde a Independência”, afirma que o distanciamento entre Brasil e África teve início muito antes, a partir do racismo estrutural das elites brasileiras. 

Isso porque as bases destas relações foram influenciadas pela tentativa da elite brasileira de branquear a população entre 1890 e 1945. 

“Esse processo que eu exploro bem no livro, entre outros, é um processo que tem efeito até hoje, porque esse distanciamento do Brasil com a África que caracteriza a maior parte desse histórico”, analisa. “O racismo estrutural afeta as relações Brasil-África porque durante 150 anos, o Brasil quis se vender como branco a um continente que é negro.”

A partir de Lula é que houve um marco na tentativa de reverter este longo processo histórico, a fim de tornar a relação com a África mais Robusta. 

“Nos governos 1 e 2, a aproximação foi resultado de uma conjunção de fatores. O primeiro era a extrema força Lula, que tinha a África como prioridade pessoal e tinha a força política. As ideias que ele colocava no campo político tinham força para serem implementadas, mesmo com essa tendência histórica colocada”, emenda Neves.

Outros fatores que beneficiaram a aproximação com o continente africano foi a participação e força do movimento negro dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) e as oportunidades de internacionalização de empresas vislumbradas por empresários brasileiros. 

Naquela época, Brasil e África experimentaram ainda aumentos significativos dos preços das commodities para a exportação. 

Atualmente, apesar dos esforços, Lula não encontra o mesmo cenário interno e externo para repetir os feitos dos primeiros mandatos. 

“Lula não está tão forte politicamente, o executivo tem muito menos recursos, porque com as emendas obrigatórias parlamentares o executivo ficou com menos recursos para implementar políticas não obrigatórias. Essas conjunturas são muito diferentes e isso é visível na quantidade de iniciativas que o Brasil tem, na área de cooperação, na área de defesa, na área de investimentos, na área de desenvolvimento e parcerias – diferenças muito gritantes”, completa o entrevistado. 

Negócios

A partir dos desdobramentos da Lava Jato, em que empreiteiras e empresas de construção civil se viram envolvidas, empresários que investiram na África sofreram com a operação. 

Atualmente, há menos apetite pelo continente, tendo em vista que as empresas brasileiras perderam espaço para empresas chinesas, turcas e árabes – o que dificulta a retomada de negócios fora do país. 

Também existe o fator infraestrutura e logística. “Empresários que teriam condições no agronegócio, mas que ganham tanto dinheiro no agro no Brasil que veem a África como  uma aventura. Por que ele vai para a África aumentar o faturamento dele 10%, 15% se já está faturando X para faturar X + 0,15 para ir para o continente que ele não quer, que ele não conhece como funciona, que há dificuldades de logística e infraestrutura?”, questiona Neves.

Esforços

Ainda assim, há um esforço pessoal de Lula nas relações com a África, tanto que o número de viagens do atual presidente ao continente africano supera a somatória de viagens feitas pelos demais chefes de Estado. 

Lula também criou uma lei para tornar obrigatório o estudo do continente africano, como medida para tirar aquela visão derrotista sobre o continente. 

Mas Anselmo Otavio lembra que, desde 2010, o Brasil perdeu o timing das relações com a África por não ter uma agenda política de curto, médio e longo prazo. 

Em 2009, a China se tornou a maior parceira comercial do continente africano. Dez anos depois, a parceria se tornou ainda mais complexa. 

Desde 2010, a África promoveu ainda diversas iniciativas para impulsionar a autonomia do continente, iniciativas estas das quais o Brasil se afastou nos últimos 15 anos, criando um cenário em que o continente está cada vez mais integrado e inserido nas dinâmicas internacionais. 

Confira o programa na íntegra: 

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Last Update: 27/05/2025