A velha toupeira de que falava Marx ressurgiu novamente na África. Quando todos veem a ascensão da ultra direita no mundo e julgam que o fascismo está avançando em toda parte, se esquecem que o mundo não se resume a EUA e Europa e parte da América Latina. Grande parte do mundo hoje é representado por um bloco de países claramente anti-imperialistas, que se estruturam para enfrentar o imperialismo, independentemente da ideologia ou estrutura política de cada um deles. Para manter sua soberania e assegurar o desenvolvimento do país, garantindo um nível de vida melhor para seus cidadãos, vários países estão se desligando do imperialismo e grande parte deles está enfrentando o domínio imperialista. O imperialismo está obrigando grande parte da humanidade a ser anti-imperialista como única opção para não ser destruída ou dominada por ele.

Na África, a revolução social ressurge sobre as mais variadas formas com o objetivo comum de derrubar a ordem vigente, como golpes de estado ou mesmo adotando a forma de insurreição popular. Os africanos aprenderam com o colonialismo ocidental que é preciso lutar sempre contra a opressão.

É o que está ocorrendo no Quênia nestas últimas semanas.

Uma onda de protestos radicais tomou conta do país desde meados de Junho devido à tentativa do Governo de aprovar um projeto de lei que aumentaria os impostos sobre uma série de bens e serviços de primeira necessidade. O governo pretendia extrair da população, da qual 70% está abaixo do nível de pobreza, alguns milhões de dólares para pagar os vencimentos de parte da dívida do país junto ao FMI. O governo respondeu com a declaração do Estado de emergência e a mobilização do Exército para enfrentar os manifestantes.

A repressão violenta, no entanto, não arrefeceu os ânimos da população, com os quenianos a enfrentando o gás lacrimogêneo, as balas de borracha, canhões de água e o Exército que usou de armas reais. A mobilização só se ampliou e radicalizou com a exigência de demissão do Presidente.

Durante anos, o Quênia foi sufocado pelo FMI. O Parlamento aprovou o orçamento fiscal com o qual o governo de William Ruto pretendia aumentar os impostos sobre alimentos e combustíveis para pagar os vencimentos da dívida ao FMI. A dívida externa é hoje de 78 bilhões de dólares.

Milhares de pessoas saíram às ruas para se opor a essas medidas. A polícia e o Exército em sua repressão assassinou, feriu e prendeu vários manifestantes. O Quênia tem mais de 54 milhões de habitantes, dos quais 31 milhões vivem abaixo do nível de subsistência.

Pouco depois de tomar posse, em Setembro de 2022, o Governo Ruto aplicou cortes acentuados nas despesas sociais cancelando os subsídios à farinha e aos combustíveis. Em Julho de 2023, aplicou um imposto de 1,5% sobre a habitação e duplicou o IVA sobre os combustíveis de 8% para 16%, elevando o preço de um litro de gasolina para 212,36 xelins (1,6 USD) no final de 2023.

Face a esta situação, em Julho de 2023, ocorreram enormes mobilizações contra o aumento do custo de vida. A política do Governo foi reprimir brutalmente a população, com centenas de detidos e dezenas de assassinatos que permaneceram impunes. Um ano depois o governo Ruto mantém a sua política e tenta aumentar impostos para pagar ao FMI. Entretanto, os trabalhadores não aceitam a imposição do governo, que não pune a evasão fiscal dos grandes empresários que recebem enormes benefícios fiscais do Governo.

William Ruto, o presidente do imperialismo e do FMI

O Governo Ruto age claramente em benefício do imperialismo e dos capitalistas locais. Ao mesmo tempo que aumentava os preços dos bens essenciais, o Quênia pagou 560 milhões de dólares das Euro-obrigações de 2014, utilizando uma parte das receitas de um empréstimo de 1,2 bilhões de dólares do Banco Mundial que tinha recebido no final de Maio. Este ciclo vicioso a que o imperialismo submete o país de pagar parte de uma dívida com os recursos de um empréstimo, longe de resolver o problema, torna-o ainda pior.

Rebelião popular contra impostos

Como não bastasse toda esta política, na quinta-feira, 27 de junho, o Parlamento aprovou, com 195 votos a favor, 106 contra e três nulos, o orçamento 2024/25. O seu único objetivo é angariar mais 2,7 bilhões de dólares e assim pagar o resto dos vencimentos da dívida externa que ascendem a cerca de 3,5 bilhões de dólares.

O projeto de lei apresentado visava o aumento de 5% nas taxas das transferências bancárias e dos pagamentos através do celular, um aumento de 16% do imposto sobre o pão e de 25% sobre os impostos dos óleos vegetais, um acréscimo de 2,75% para os trabalhadores inscritos no plano de saúde nacional e um imposto anual de 2,5% para veículos. Com o crescimento das mobilizações, no dia 18, o Governo retirou algumas rubricas, como pão ou transações bancárias, do projeto orçamentário. Mas era tarde demais. As mobilizações em Nairobi, a capital, não pararam e chegaram ao parlamento no dia da sua aprovação para demonstrar toda repulsa ao projeto do governo. A juventude e a maioria da população não está disposta a pagar pela crise que os governos e os grandes capitalistas causaram.

Uma grande marcha chegou às proximidades do Parlamento, cercada pela polícia. Os lemas do movimento eram: não modifique, rejeite! Fora Ruto! A população mobilizada insistiu, exigindo que os deputados rejeitassem o projeto. Os milhares de manifestantes enfrentaram a repressão da polícia que não conseguiu impedir a ocupação do Parlamento. O Congresso, “democraticamente” aprovou o projeto. Em protesto, os manifestantes incendiaram parte do prédio do Congresso e alguns veículos nos arredores da Suprema Corte.

Utilizando uma rede nacional de televisão, o Presidente William Ruto defendeu que a repressão era para defender a democracia de um “ataque sem precedentes ao Estado de direito e às suas instituições” e ordenou a intervenção militar em Nairóbi para controlar a mobilização “seja qual for o custo”. A repressão foi brutal. A polícia teria atirado mais de 40 vezes contra várias pessoas em Nairóbi, entre as 22 horas e a 1 hora, muito depois do fim dos protestos, de acordo com comunicado da Anistia Internacional no Quênia. O resultado foi de pelo menos 23 mortos, 160 feridos e 52 detidos, com muitos desaparecidos.

O efeito foi oposto ao esperado pelo governo. Diante da comoção nacional provocada pela repressão, o Presidente foi obrigado a anunciar que não sancionaria a lei. A insurreição deve continuar com a mobilização das organizações sindicais e políticas dos trabalhadores juntamente com a juventude. Pela via da mobilização e da greve dos trabalhadores, o Governo pode ser derrotado e obrigado a romper com o FMI, ignorando o pagamento da dívida externa. O movimento exige o não pagamento da dívida externa e exige aumentos de salários e pensões. Outras reivindicações exigem medidas concretas contra o custo de vida como a eliminação total do IVA da cesta básica e que sejam garantidos os fundos necessários para o trabalho, a saúde e a educação do povo trabalhador.

O governo do Quênia exporta a repressão para o Haiti

O Governo, por ordem do imperialismo, ao mesmo tempo que assassinava manifestantes e ordenava a militarização de Nairóbi, começou a enviar tropas policiais ao Haiti para realizar uma nova intervenção militar no violentado país caribenho. A intervenção ocorre após o fracasso do Governo de fato de Ariel Henry, que não conseguiu impedir o controle do país por milícias do crime organizado. O novo Conselho Presidencial formado pelos partidos burgueses PHTK e Lavalas, após a saída de Henry, juntamente com a Comunidade Caribenha (CARICOM), a ONU e o imperialismo ianque e francês financiará as tropas enviadas pelo Quênia e outros países africanos para replicar, desta vez sem o Canadá ou Brasil, a MINUSTAH.

Esta política não procura resolver os problemas da ilha, o seu objetivo é sustentar a intervenção militar, que utiliza agora os negros africanos para reprimir a população do país que eliminou a escravidão pelos próprios escravos. O governo do Quênia não oprime só o seu próprio povo, mas se submete ao imperialismo para exportar a repressão. O objetivo é devolver o país aos capitalistas e assim proteger os seus lucros e a pilhagem da ilha ao serviço do imperialismo e das multinacionais.

Uma série de organizações de trabalhadores e de defesa dos direitos humanos emitiu um abaixo assinado em 30 de Outubro de 2023 em que condena a intervenção militar no Haiti. O abaixo assinado diz que “consideramos que uma nova intervenção militar imperialista para apoiar os políticos burgueses corruptos não trará prosperidade e paz ao Haiti, pelo contrário, dará continuidade ao tipo de interferência que tem sido crucial para o desenvolvimento da crise atual”.

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Última Atualização: 05/07/2024