Quem vai além do mercantilismo?

por Alfredo Pereira Jr.

Thatcher e Trump são diferentes, mas ela já tinha um pressuposto mercantilista contrário ao investimento público no desenvolvimento humano, concebendo a contabilidade pública como a de uma empresa privada, ou seja, voltada para o lucro (este caso, o “superávit fiscal”). O estado liberal está preso neste conceito mercantil de contabilidade pública, e também na falácia de que sempre haveria inflação de preços como efeito da emissão monetária estatal voltada para investimento público produtivo.

Até a social democracia sueca, na voz de Gunnar Myrdal, contemporâneo de John Maynard Keynes, está presa em uma concepção mercantilista, só que mais ampla (considerando a “causalidade circular”, ou seja, envolvendo processos de causa e efeito nas relações do estado com toda a sociedade): a de que a emissão monetária e investimento público EX ANTE devem se limitar à poupança e lucro capitalistas EX POST. No Capitalismo, o “Equilíbrio Monetário”, é por ele entendido como a igualdade entre o investimento e a “disposição de capital livre”, ou seja, a soma da poupança com as variações do valor do ativo de capital. Até o desenvolvimentismo latino americano, ao se basear em Myrdal, engoliu, “sem querer querendo”, esta falácia…

O estado popular socialista, como no caso chinês, escapou disso! E teve sucesso. Investiu no desenvolvimento humano, reduzindo a pobreza, qualificando científica e tecnologicamente as novas gerações, ampliando a infra-estrutura de energia, transporte e materiais para a indústria, ampliando os conselhos populares do partido para eleger os governantes mais capazes, punindo os empresários capitalistas que priorizam a acumulação privada, investindo no setor produtivo de países do terceiro mundo, etc…

Em outras palavras, o crescimento econômico precisa ser impulsionado por emissões monetárias para investimentos públicos seletivos cujo retorno social não se reduz ao lucro e à poupança dos capitalistas. Porém, apesar dos sinais neste sentido, poucos teóricos notaram que o modelo de “democracia econômica” do último Getúlio Vargas e a Bolsa Família do primeiro Lula, assim como projeto aprovado de Renda Básica de Eduardo Suplicy, vão contra o mercantilismo estatal, e se aproximam da estratégia do estado socialista chinês, agora traduzida para a Venezuela pelo último Maduro. Essa evidência acabou ficando submersa, frente às majoritárias políticas neoliberais em curso.

Na Democracia Sociocrática que vem se forjando, o estado monetariamente soberano controla o mercado, por meio da alocação seletiva do dinheiro que emite, e o povo controla o estado, por meio de conselhos presenciais, como por exemplo na China e Venezuela, ou via um Fórum Popular Online, como proposto em nossos livros (Pereira Jr. e Sousa, “Principles for Governance” – Springer, 2023, e “Salvar o Novo Mundo” – Editora Kotter, no prelo).

A Teoria Monetária Moderna (abreviada MMT, do inglês) também rompe com as falácias neoliberais, abrindo novas frentes para a imaginação econômica, mas não assume plenamente as restrições jurídicas e políticas dos sistemas financeiros (como a distinção entre circuitos único e dividido de Joseph Huber) decorrente da filosofia cartalista de Georg Knapp. Para se aplicar o princípio das finanças funcionais, isto é, o uso do dinheiro pelo estado para implementar funções na sociedade, é preciso dissociar a emissão monetária para investimento produtivo do lucro e da poupança esperados pelos capitalistas, para focar nos desenvolvimento das potencialidades humanas, que vai além das relações de compra e venda do mercado, mas também contribui decisivamente para a saúde deste mercado, como amplamente demonstrado pela China!

Até Gobartchev e Xiaoping, as pessoas que ganham a vida no jogo do mercado tinham o socialismo como inimigo. Em uma reviravolta espetacular, liderada pela China, o estado popular socialista passa a ser o fator decisivo para a saúde do sistema produtivo e respectivo mercado, enquanto o capitalismo liberal se afunda no financismo improdutivo e bélico. No Brasil, e até nos EUA, empreendedores estão começando a perceber que um estado popular socialista (ou “sociocrático”, se quisermos usar um conceito menos comprometido com a tradição) é melhor para a economia de mercado que o estado mínimo dos liberais.

Alfredo Pereira Jr. – Professor de Filosofia da Ciência – Pós Graduação em Filosofia, UNESP, Campus de Marília – SP. Email: [email protected]

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Last Update: 18/04/2025