O assassinato da jovem Vitória Regina de Souza, de 17 anos, em Cajamar (SP), cujo corpo foi descoberto quase às vésperas do 8 de março, com sinais de tortura numa região de mata, uma semana depois de seu desaparecimento enquanto retornava do trabalho, é mais um soco no estômago e reacende um debate urgente e necessário sobre a vida das mulheres.
Mais do que uma tragédia pessoal e familiar, o caso expõe questões profundas: a rotina de milhares de mulheres trabalhadoras que enfrentam, além de jornadas exaustivas, o medo e a insegurança em se deslocar pela cidade; o aumento dos feminicídios, expressão de uma sociedade que tolera e naturaliza o machismo e a violência contra as mulheres; o papel do Estado, que falha sistematicamente em proteger nossas vidas; a forma como a mídia burguesa lida com este tipo de crime, como no caso da apresentadora Patrícia Poeta, do programa Encontro, da Rede Globo, que deu um show de insensibilidade e falta de empatia, ao revelar ao vivo ao pai da garota descobertas feitas pela polícia, até então desconhecidas pela família.
Garota, interrompida
Vitória era uma garota como muitas outras, filhas da classe trabalhadora brasileira. Corajosa e cheia de sonhos!
Recém-admitida em um novo emprego num centro comercial local, estava em período de experiência. Morando numa região periférica, pegava duas conduções para voltar do trabalho tarde da noite e ainda precisava se deslocar por uma rua sem iluminação por cerca de um quilômetro entre a parada de ônibus e sua casa.
Na noite em que desapareceu, enviou mensagens a uma amiga, onde se mostrou preocupada por estar sendo seguida. Suas palavras revelam a angústia de uma jovem, momentos antes de ser abordada pelos suspeitos de sua morte: “Tem uns meninos aqui do meu lado, tô com medo”, disse.
A história de Vitória é a história de milhares de mulheres trabalhadoras, pobres e periféricas, que dependem do transporte público precário, que precisam caminhar por ruas escuras e desertas, que sentem o coração acelerar ao ouvir passos atrás de si. Sua morte retrata a tragédia das incontáveis vidas de mulheres e garotas, interrompidas pela violência machista.
Ensaio sobre a cegueira
Cada mulher vítima de feminicídio é uma filha, uma mãe, uma irmã ou uma amiga cujo futuro foi brutalmente cessado. Para as famílias, o luto é acompanhado por um sentimento de impotência e injustiça, enquanto tentam reconstruir suas vidas em meio à dor e ao trauma.
O Estado é, de muitas formas, responsável por estas mortes, incluindo a de Vitória, por falhar em proteger nossas vidas, seja por sua negligência no combate ao machismo e à violência; pela falta de investimentos em infraestrutura que permitam às mulheres se deslocar de forma segura ou por não garantir oportunidades para jovens como ela, que lutavam para conciliar trabalho e estudo; entre outros aspectos.
Mas se o Estado é, de muitas formas, responsável, a sociedade inteira é cúmplice. Enquanto nos mantivermos cegos frente ao machismo, fingirmos não ver a violência contra as mulheres, fecharmos os olhos para a objetificação do corpo feminino e ignorarmos as condições precárias enfrentadas pelas trabalhadoras periféricas, estaremos compactuando com essa barbárie.
Vitória foi morta por uma cultura que ensina que mulheres são descartáveis, que seus corpos são objetos e que suas vidas valem menos!
Crime e castigo
Não podemos mais nos calar. Não podemos mais aceitar que histórias como a de Vitória se repitam. É preciso exigir justiça, apuração rigorosa e punição exemplar para os responsáveis. Mas não basta punir o (s) assassino (s). É preciso combater a cultura machista que violenta e mata mulheres todos os dias e por fim a esse sistema capitalista que explora e oprime as mulheres trabalhadoras.
Como disse Rosa Luxemburgo: “Por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. Por uma sociedade socialista!
Vitória não pode ter morrido em vão. Sua morte deve ser um grito de alerta, um chamado para que todas e todos nós nos levantemos contra essa barbárie.] Porque Vitória poderia ser eu. Poderia ser você. Poderia ser qualquer uma de nós, sua filha, sua irmã, sua vizinha… Poderia. E se não agirmos agora, quantas mais serão sacrificadas no altar da misoginia e da negligência?
Justiça por Vitória. Justiça por todas nós!