Como alguns de nossos leitores devem ter percebido, após uma semana de suspensão no YouTube, a Causa Operária TV organizou uma série de alternativas, talvez não tão convenientes como a plataforma do monopólio norte-americano, mas boas o suficiente para continuarmos nosso trabalho de propaganda e educação política. Uma dessas alternativas é a COTV Play, inciativa com a qual estivemos envolvidos diretamente.
A plataforma que sustenta esse “quase clone” do YouTube é o PeerTube, uma alternativa de código aberto desenvolvida para a internet decentralizada (fediverse para os íntimos). A ideia é que cada organização custeie a hospedagem de uma pequena instância, um pequeno YouTube, que se conecte com outras instâncias compondo uma federação que compartilha os vídeos entre si, distribuindo os custos de infraestrutura e dando mais resiliência à rede. Dessa forma, uma instância que replica vídeos de outra pode decidir mantê-los mesmo se aquela que originalmente recebeu a publicação do vídeo decidir removê-lo. É uma estrutura um pouco complexa para leigos, mas aos poucos pode se fazer conveniente. Na COTV Play não utilizamos todas essas funcionalidades, mas aos poucos poderemos integrá-las e até mesmo contribuir com o projeto, dado que ele é aberto.
O PeerTube é desenvolvido praticamente por uma única pessoa há mais de sete anos. É um esforço homérico parcialmente viabilizado por apoio do governo francês, que dedica recursos – ainda que módicos – à FramaSoft, grupo francês de desenvolvimento de software livre que pretende libertar a internet do Google e de outros monopólios. Já pararam para considerar como tudo o que fazemos está nas mãos dessa empresa? Documentos e planilhas no Google Drive; eventos no Google calendar; emails no Gmail; todo nosso histórico de buscas no Google; vídeos que publicamos no YouTube; isso para nem falar do Android e no Google Chrome, que vigiam cada ação que fazemos no nosso dia-a-dia tanto em nosso celular como em nosso computador. Quem conseguir escapar do Google, fatalmente cairá nas mãos de outro monopólio.
A FramaSoft nos lembrou do Matrix, protocolo de comunicação também desenvolvido na França com apoio do governo francês. Nesse caso, as autoridades locais passaram a utilizar a ferramenta para comunicações oficiais de forma a evitar cair na teia de algum monopólio norte-americano como a Meta, dona do WhatsApp. Edward Snowden revelou ao mundo que os Estados Unidos espionavam inclusive as autoridades de países aliados, portanto, na internet, ninguém está seguro. Como usuários, o melhor que podemos fazer é pensar que somos irrelevantes o suficiente de forma a não sermos merecedores dos recursos necessários para nossa vigilância.
É interessante que o governo da burguesia imperialista francesa invista, ainda que muito pouco, em alternativas públicas ao software proprietário norte-americano. Podemos imaginar que tal investimento seja uma questão estratégica, militar. Finalmente, os Estados Unidos praticamente dominam globalmente a indústria de comunicação pela internet o que os coloca numa posição muito vantajosa em relação aos demais países. Mas se a França, que é um aliado norte-americano dentro da OTAN, parece ter essa preocupação, o Brasil não tem.
Desenvolvedores de software que se dedicam a projetos abertos e livres no Brasil são como monges franciscanos. Fazem um voto de pobreza, vivem de doações e trabalham em seus projetos pelo prazer da arte. Mesmo nesse esquema guerrilheiro de trabalho, ainda produzimos grandes desenvolvedores como Marcelo Tosatti, o mais jovem programador a ser autorizado por Linus Torvalds como mantenedor do Linux. É difícil esconder a decepção em relação ao atual governo petista, que já foi vítima de espionagem e golpe vindo de fora, quanto à sua política para o desenvolvimento e financiamento de software livre. Além de ser uma questão estratégica, a produção é pública, ou seja, com esse apoio o Estado não estaria financiando nenhum tipo de empreendimento capitalista. Nosso ministro da Economia parece se interessar apenas nas parcerias público-privadas e não nas público-públicas.
Quem vai financiar a tecnologia nacional? A resposta é simples: somente o Estado pode fazer isso. Se formos aguardar a iniciativa privada, só teremos mais e mais bancos digitais ou plataformas de vendas pela internet, isso se tivermos, pois esses empresários podem muito bem decidir estacionar seus recursos em Wall Street e viver de renda. Há lugares, como a Rússia, em que a iniciativa privada – com muito apoio estatal – conseguiu desenvolver alternativas às plataformas imperialistas. Os russos, por exemplo, usam a rede social Vk, que assim como o Google tem sua versão do Google Drive e até serviço de hospedagem (computação em nuvem). Têm também o Telegram para se comunicar diretamente. Na China há também plataformas privadas locais. É, finalmente, uma questão de soberania nacional. Se elas puderem ser públicas, como o Matrix ou o Peertube, melhor ainda.
Concluindo, o Brasil, principalmente sob um governo nacionalista de esquerda, precisa organizar sua independência em termos de redes de comunicação. Ficar na mão do imperialismo é uma grande armadilha, pois o conflito de interesses é inevitável, mas é também um grande atraso, uma vez que bloqueia o estímulo aos nossos desenvolvedores.