Uma fotografia da indústria da moda do Brasil revela um quadro cheio de lacunas. Sabemos que o país ostenta o título de maior cadeia têxtil completa do Ocidente: do cultivo de matéria prima aos desfiles de moda, temos de um tudo: fiações, tecelagens, beneficiadoras, confecções e varejo. Mas ainda estamos engatinhando quando as perguntas são sobre o impacto socioambiental do segmento.
O que sabemos com certeza é que, mesmo sofrendo a pressão do grande varejo internacional, os dados revelam a pujança do setor. Em 2023, o faturamento da Cadeia Têxtil e de Confecção alcançou R$ 203,9 bilhões, segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção. Foram 8,02 bilhões de peças produzidas em 2023, um total de 2 milhões de toneladas. Quando se observa apenas a produção de matéria-prima, os dados ficam ainda mais impressionantes: em 2024, o Brasil tornou-se o maior produtor de algodão do mundo: a safra de 2023/2024 foi de 3,7 milhões de toneladas de algodão, numa área de quase 2 milhões de hectares, segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Algodão.
Assim como os dados econômicos, o que também está fartamente documentado são os impactos socioambientais do setor: é o que nos conta o relatório Crimes da Moda, desenvolvido pela organização não-governamental Earthsight. O crescimento do cultivo do algodão brasileiro, que alimenta multinacionais de moda ao redor do mundo com o rótulo de sustentável, vem acompanhado de desmatamento do cerrado, poluição de mananciais, perda de biodiversidade e até grilagem de terras. Em palavras simples: um bom negócio para quem vende, um impacto devastador para as comunidades tradicionais do oeste baiano.
A transparência da indústria têxtil brasileira não está na moda
Em comparação à abundância de dados sobre a importância econômica e sobre os impactos ambientais da moda, sabemos relativamente pouco sobre o quanto as marcas da moda investem na redução destes impactos, conforme as conclusões do Índice de Transparência da Moda (ITM 2024). Não chega à metade o percentual de marcas analisadas que divulga dados fundamentais para a compreensão do que vem sendo feito pela redução desses impactos – como, por exemplo, as emissões de gás carbônico relacionadas às suas próprias instalações (45%). Um compromisso efetivo com o fim do desmatamento, por sua vez, é assumido por apenas 10% das marcas. Implementação de práticas regenerativas é compromisso de 8% das marcas analisadas – quando se analisa que a principal fibra utilizada pela moda é de origem vegetal e, portanto, afetada pela crise climática, entende-se que o pouco caso das marcas pela preservação ambiental põe a própria indústria em risco.
Quando se fala em compromisso com direitos humanos, então, o retrato se mostra ainda mais obscuro. Entre 2018 e 2023, a transparência sobre políticas para fornecedores sobre trabalho escravo contemporâneo reduziu de 58% para 55%. As informações sobre a divisão por cor ou raça dos trabalhadores são divulgadas por 18% das empresas e nenhuma empresa analisada divulga as diferenças salariais da sua equipe sob uma perspectiva racial. Já a presença de grupos afetados em processos de devida diligência – que é quando se analisa e investiga os riscos e impactos aos direitos humanos e ao meio ambiente – é registrado respectivamente por 7% e 5% das empresas. Parece que, apesar da proliferação da sigla ESG, o S – que significa Social – anda meio esquecido.
A sociedade civil se levanta para exigir mudanças
A sociedade civil tenta fazer a sua parte – e, em um cenário de tão poucos registros, transparência virou uma bandeira. O levantamento de dados sobre os impactos da moda é por si só uma tarefa hercúlea. Relatórios como o Crimes da Moda e o Índice de Transparência da Moda ajudam a dar uma perspectiva sobre o tamanho do problema do segmento.
Esse ano, como parte da maior campanha de moda ativista do mundo, a Semana Fashion Revolution, o Instituto Fashion Revolution Brasil lançou o desafio “Quem é o Brasil na Revolução da Moda?”. Distribuídos pelas cinco regiões do país, os mais de 100 voluntários da organização farão um mapeamento colaborativo, visando traçar um retrato dos maiores desafios e potencialidades do segmento no país.
No Brasil, a SFR existe desde 2014, e foi criada após a tragédia do Rana Plaza, que vitimou 1.138 trabalhadores da moda em Bangladesh no dia 24 de abril de 2013. Marina de Luca, Coordenadora de Mobilização e da SFR, destaca que “atuar, há 11 anos, nessa jornada nos ensinou muita coisa, e é muito potente ver a consolidação dessa campanha plural a cada ano”. Para a coordenadora, o mapeamento proposto pela campanha deste ano é uma forma de evidenciar a maturidade do movimento, que, atualmente, conta com uma rede de centenas de voluntários, espalhados por todas as regiões do Brasil, e que atuam em mais de 150 instituições de ensino.
Além do mapeamento, a SFR conta com uma programação de centenas de ações, que acontecem de 22 a 27 de abril, de Norte a Sul do país. Todas as pessoas que se interessam pelo tema estão convidadas a se engajarem na busca por uma moda brasileira mais justa, ética e transparente.