O presidente da conservadora União Democrata-Cristã (CDU) e líder da bancada parlamentar da CDU/CSU, Friedrich Merz, foi finalmente eleito nesta terça-feira 6 pelo Parlamento (Bundestag) como o novo chanceler federal da Alemanha, sucedendo o social-democrata Olaf Scholz.
A confirmação para o posto ocorreu horas após um fiasco histórico: pela manhã, Merz não conseguiu reunir votos suficientes na primeira votação. Foi um resultado inédito na história alemã do pós-guerra. Nunca um candidato ao posto havia passado por isso.
Merz teve mais sorte na segunda votação, durante a tarde, reunindo 325 dos 316 votos necessários. Mas o episódio já parece prenunciar um começo tumultuado para sua coalizão de governo, que além da CDU/CSU reúne o Partido Social-Democrata (SPD).
Desde que seu partido saiu vitorioso das eleições gerais antecipadas de 23 de fevereiro, a mídia e seus colegas políticos vinham tratando Merz já como uma espécie de pré-chefe de governo, apostando que sua confirmação no Parlamento seria uma mera formalidade.
Mas a carreira de Merz já havia registrado vários percalços nas últimas décadas. Considerado divisivo por rivais e antigo desafeto da ex-chanceler Angela Merkel, ele só conseguiu assegurar a presidência da CDU na sua terceira tentativa, em 2022.
Tornar-se chanceler federal será para Merz um grande passo numa carreira política altamente anti convencional – mas também um salto no escuro. Ele nunca ocupou um posto público com responsabilidades de liderança significativas: nunca foi ministro, governador, ou sequer prefeito de alguma cidadezinha.
Ainda assim, a revista alemã de economia Wirtschaftswoche o definiu como “transatlanticista, amigo da Europa e reformista” e, portanto, “exatamente a pessoa certa para os tempos atuais”. Aos 69 anos ele será o chefe de governo alemão mais velho a assumir desde Konrad Adenauer (1949-1963).
Entre política e negócios
Formado em advocacia comercial, Merz nasceu na região de Sauerland, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, onde ainda vive. Trata-se de uma zona predominantemente de classe média rural, apreciada pelos turistas e que tende a abraçar os valores conservadores católicos.
De 1989 a 1994, Merz integrou o Parlamento Europeu. Entrando para o Bundestag em 1994, tornou-se chefe da bancada democrata-cristã, e durante 15 anos ocupou-se em especial da relação de seu país com os Estados Unidos. Porém, em 2009, decidiu não concorrer mais a deputado, insatisfeito com a perda de espaço da sua ala na CDU para Angela Merkel, considerada menos conservadora.
Seguiu-se uma pausa na política, em que o jurista Merz avançou sua carreira no livre comércio. De 2016 a 2020 foi presidente do conselho de supervisão da sucursal alemã da BlackRock, atualmente a maior companhia de investimentos do mundo. Nesse período, esteve frequentemente nos EUA a negócios. Só em 2021 concorreu novamente para o Bundestag, e foi eleito.
Abrindo o verbo sobre a Ucrânia
Merz antecipou seus planos como futuro chanceler federal. Ele gosta de enfatizar que já há vários meses tem estado em contato regular com chefes de governo europeus e a liderança da União Europeia (UE). Antes do recesso de verão, planeja visitar o presidente republicano Donald Trump nos EUA.
Nessa veia extrovertida, numa entrevista de uma hora à emissora ARD, antes da Páscoa, Merz revelou que pretende manter a assistência militar à Ucrânia invadida pela Rússia, ultrapassando decididamente a “linha vermelha” traçada pelo chanceler federal em exercício, Olaf Scholz.
Poucas horas antes do programa televisivo, um míssil russo matara dezenas de civis e ferira mais de 100 na cidade ucraniana de Sumy. Merz definiu o ato como “um grave crime de guerra”, e acenou com a perspectiva de a Alemanha fornecer mísseis de cruzeiro Taurus para o país sob ataque.
A seu ver, essas armas de longo alcance e alto impacto poderiam representar uma pressão séria sobre a Rússia. Entretanto ressalvou: “Eu sempre disse que só vou fazer isso em coordenação com os nossos parceiros europeus.”
Afinal, o Reino Unido, França e EUA já estariam suprindo Kiev com mísseis de cruzeiro, portanto a Alemanha “deveria também participar” – de maneira coordenada. A seu ver, as forças armadas ucranianas precisam “abandonar a posição defensiva, tudo o que elas fazem é reagir”, a fim de “poder exercer algum controle sobre o que está acontecendo”.
Na entrevista, o democrata-cristão chegou até a mencionar a possibilidade de a Ucrânia destruir a ponte da Crimeia, uma conexão estratégica chave entre a Rússia e a península ucraniana ilicitamente anexada.
Com essa retórica tão frontal e detalhada, Merz se posiciona em contraste total com o social-democrata Scholz, que se opõe consequentemente à entrega de mísseis Taurus e a qualquer escalada na guerra da russa contra a Ucrânia.
Aproximação com AfD e fim do freio de dívidas
O apoio continuado à Ucrânia é apenas um elemento de uma reviravolta política mais ampla pós-eleição na Alemanha, motivada em parte pelas políticas da nova presidência americana – uma guinada que por vezes tem comprometido a credibilidade de Merz.
Um exemplo foi o rompimento do “cordão sanitário” que as principais siglas políticas do país se comprometeram a manter contra a Alternativa para a Alemanha (AfD) – agora oficialmente classificada como uma sigla de extrema-direita. Poucos dias antes da eleição de fevereiro, Merz aceitou o apoio do partido em diversas votações parlamentares sobre o endurecimento das leis de imigração.
Assim os conservadores cristãos defenderam sua maioria parlamentar – ao lado do Partido Liberal Democrático (FDP), pró-empresariado – contra o bloco formado pelo SPD e o Partido Verde. Essa manobra, contudo, provocou repulsa entre políticos e sociedade civil alemães.
Outro episódio que abalou a credibilidade de Merz e seus correligionários foi a queda do “freio de dívidas”: por meses, o líder e outros políticos conservadores alemães vinham insistindo na importância de respeitar esse mecanismo que limita o endividamento nacional, e apelando por disciplina fiscal.
Essa postura mudou bruscamente com o início das negociações de coalizão entre a CDU/CSU e o SPD: em meados de março, ambas as câmaras parlamentares do país aprovaram uma decisão historicamente inédita: cairia o teto máximo para os gastos em defesa. Na ocasião aprovou-se ainda um superpacote de gastos de 500 bilhões de euros (3,2 trilhões de reais) para investimentos na periclitante infraestrutura nacional.
“Temos grandes tarefas pela frente”, afirmou Merz em sua entrevista televisiva, “e elas exigem respostas apropriadas”, acrescentando que não olha “as pesquisas de opinião todo dia”, e que desejava uma Alemanha “mais ousada e mais otimista” novamente.
O democrata-cristão anunciou a intenção de fortificar a confiança dos cidadãos alemães: “Nós somos um grande país, com mais de 80 milhões de habitantes que vivem e trabalham aqui e cuidam de suas famílias”, e ele quer “mostrar que esse esforço vale a pena”.