Entre janeiro e abril de 2025, os Estados Unidos registraram uma queda de 21,2% no número de turistas brasileiros, passando de 191.646 para 151.008 visitantes. A tendência acompanha um movimento global de retração, impulsionado pela política migratória restritiva reinstaurada com o retorno de Donald Trump à Casa Branca. Dados do governo americano, divulgados pelo correspondente Assis Moreira no Valor Econômico, indicam que esse fenômeno não se restringe ao Brasil: o número de argentinos também caiu 19,7% no período.
A retração é em grande parte alimentada pelas crescentes frustrações com processos de visto imprevisíveis, novas repressões imigratórias e tarifas comerciais crescentes impostas pelo governo Trump. Essas políticas lançaram uma sombra sobre a imagem do país, fazendo com que os EUA pareçam menos acolhedores para visitantes globais. Essa recessão chega em um momento em que a maior parte do mundo vivencia uma forte retomada do turismo.
Apesar da redução, o Brasil permanece como o segundo maior emissor de turistas para os EUA, atrás apenas do Reino Unido (desconsiderando vizinhos como México e Canadá). Curiosamente, o número de brasileiros com visto de negócios cresceu 13% — possivelmente motivado por brechas comerciais abertas com o afastamento de países alvos das tarifas de Trump. Já o turismo tradicional recuou 19,5%, afetando estados como Flórida, Texas e Nova York, tradicionais destinos da preferência nacional.
Um número crescente de visitantes afirma se sentir indesejado ou inseguro e reluta em apoiar a economia de um país que, segundo algumas autoridades estrangeiras, está travando guerras comerciais e desestabilizando seus aliados. Um rascunho de uma nova proibição de viagens que circula pelo governo pode restringir a entrada de cidadãos de até 43 países, incluindo Bielorrússia, Camboja e Santa Lúcia.
A incerteza na fronteira dos EUA levou vários países, incluindo Grã-Bretanha, Alemanha e Canadá, a atualizar seus alertas de viagem para os Estados Unidos, destacando que a isenção de visto não garante a entrada no país com detenções arbitrárias de visitantes estrangeiros. Os avisos surgem após uma série de detenções em portos de entrada dos EUA que envolveram turistas estrangeiros e portadores de green card. Este mês, autoridades francesas disseram que um cientista francês teve a entrada negada porque seu telefone, que foi revistado na chegada, continha opiniões pessoais sobre as políticas do governo Trump.
Política migratória hostil afeta setor mais competitivo dos EUA
As implicações vão além do turismo. O comércio global de serviços — área na qual os EUA lideram com US$ 1 trilhão exportados em 2024 e superávit de quase US$ 300 bilhões — está sob risco. Segundo a Organização Mundial do Comércio (OMC), o setor de serviços, especialmente viagens, é o mais vulnerável à instabilidade criada pela nova onda de protecionismo. A previsão de crescimento caiu de 6,8% para 4% neste ano. O impacto atinge desde royalties de propriedade intelectual até serviços logísticos, consultorias, educação remota e uso de plataformas digitais.
O efeito cascata se estende muito além de hotéis e pontos turísticos. O turismo sustenta mais de nove milhões de empregos nos EUA, desde tripulações de companhias aéreas a funcionários de restaurantes, trabalhadores do varejo e pequenos empresários em importantes cidades de entrada. A desaceleração nas visitas internacionais repercute em todo o ecossistema.
Com a elevação de tarifas e o endurecimento regulatório, a digitalização — que impulsionaria os serviços para 37% do comércio mundial até 2040 — pode perder ritmo. A América Latina, em particular, deverá registrar uma queda recorde de 1,1% nas exportações de serviços, segundo a OMC. O motivo: o declínio nas receitas de turismo, especialmente vindo dos Estados Unidos.
China caminha na direção oposta e abre as portas para os latino-americanos

Enquanto os EUA perdem terreno, a China amplia sua presença e atratividade global. A partir de 1º de junho de 2025, brasileiros, argentinos, chilenos, peruanos e uruguaios poderão entrar na China sem visto para estadias de até 30 dias, por turismo, negócios, intercâmbio ou visita a familiares. A medida valerá por um ano, com possibilidade de renovação, e é vista como um movimento estratégico no aprofundamento dos laços com a América Latina.
Plataformas como a Ctrip já registram aumento de mais de 80% nas buscas por viagens à China vindas do Brasil e do Chile. Voo direto Cidade do México–Shenzhen e novas conexões Beijing–São Paulo facilitaram a aproximação física, enquanto o ambiente seguro e os custos competitivos tornam o país asiático uma alternativa cada vez mais atraente.
Com a medida, o Brasil fica pé de igualdade com muitos países europeus e asiáticos. Isso porque, desde o ano passado, a maioria dos países europeus, bem como seus vizinhos Japão e Coreia do Sul, não precisam de visto para viajar para a China.
Impacto também é econômico e cultural
A isenção de vistos tem reflexos diretos na economia, educação e cultura. Empresas como a Suzano Asia esperam facilitação de missões técnicas e visitas executivas. Pequenos empresários veem na medida uma oportunidade para ampliar negócios e conquistar novos mercados. Para estudantes e professores, a política chinesa é uma ponte para o intercâmbio linguístico e cultural.
Além da abertura migratória, a China anunciou um pacote de estímulo de US$ 9 bilhões em investimentos em infraestrutura e programas de cooperação educacional e social com os países da América Latina e Caribe, durante a última reunião do Fórum China-CELAC em Pequim.
Turismo como termômetro da nova ordem global
O contraste entre a política de fechamento dos EUA e a de abertura da China revela uma disputa silenciosa por influência no Sul Global. Enquanto Washington endurece sua posição até mesmo contra países isentos de visto, como ocorre em alguns casos documentados, Pequim aposta na aproximação cultural e comercial como pilar de uma globalização mais inclusiva.
Com isso, o Brasil, historicamente voltado aos EUA em turismo e serviços, começa a encontrar novas rotas. A decisão de milhares de brasileiros de trocar Miami por Xangai pode ser só o começo de uma reconfiguração mais profunda no mapa das viagens, dos negócios e das parcerias internacionais.