Delmar Bertuol*, Pragmatismo Político
É como se diz, o óbvio deve ser dito. O 8 de Janeiro foi uma tentativa de golpe de estado, sim. Crime grave.
E não precisa tanque ou armas para se dar um golpe de estado. Pelo menos não num primeiro momento. Quando do Golpe de 64, embora os tanques e os fuzis, nenhum ato de violência foi registrado, num primeiro momento. Diferente de janeiro de 2023, em que policiais foram brutalmente agredidos, por exemplo.

Corta pra hoje. Final de junho de 2025. Inverno no Rio Grande do Sul. Antes das sete da manhã. Tento me esquentar com um café quente e sem açúcar enquanto folheio o jornal. Na página de opinião, o colunista se compadece. Diz que há mães presas e que não podem ver, cuidar dos seus filhos. As presidiárias em questão não são traficantes, assaltantes ou algo que os valha. São, na visão do solidário escritor, pessoas injustiçadas com penas exorbitantes só porque manifestaram sua opinião numa manifestação. Claro que ele cita o famoso caso da cabelereira e seu batom. Para a Justiça, contudo, elas participaram da tentativa de um golpe de estado. Como fracassaram, agora estão aí, vulneráveis à Lei. Ele se referia ao 8 de Janeiro, claro. Como jornalistas dantes preocupados com a segurança pública, agora relativizam quase ao nível da anulação, um grave crime?
Como no 11 de Setembro de 2001, também me lembro onde estava e o que eu fazia no dia 08 de Janeiro de 2023. A comparação visa a demonstrar o quão negativamente importante foi o evento, embora a tentativa incansável dalguns de menosprezarem como se se tratasse tão somente de uma manifestação no parque, num domingo. Um passeio pós churrasco. No primeiro evento, eu era um adolescente que dava os primeiros passos na vida profissional, fazendo estágio; no segundo, com bem mais peso e bem menos cabelo, me preparava para, na segunda, fazer umas melhorias no pátio de casa, já que de férias. Lembro que, nessa ocasião, minha pequena estava comigo. Lembro, também, que tive que lhe passar uma xingada, por algum malfeito que ela falou ou fez. Também é função dos pais mostrar o que é correto para seus filhos, sob o ponto de vista legal e/ou moral e ético.
Ainda sobre esse inesquecível domingo, lembro de que, nas redes sociais e no Whats, os bolsonaristas vibravam. Um me mandou mensagem privada. Lamentava que “tinha que ser assim”, mas “que bom que estava sendo”, abaixo Lula ladrão, corrupto, fora PT, etc, etc, etc. Blablablá, blablablá, blablablá. Quero dizer, para os bolsonaristas, lá em Brasília ou na prudência do lar, a ideia era sim derrubar o governo. Alguns, não sei se por ingenuidade, desinteligência ou com a certeza de que tinham logrado êxito na empresa de derrubar as instituições, não se pouparam de identificação, seja logando a internet com seu CPF, tirando selfies ou mesmo gravando vídeos, conclamando os seus a também se fazerem presentes.
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Volta pra agora. O colunista, que é da turma do bandido bom é bandido morto, nunca se compadeceu dos filhos das presas por tráfico ou afins. Esses, geralmente, crianças de famílias pobres e, portanto, mais vulneráveis ainda aos infortúnios de crescer sem a mãe presente. Ele ousou até falar das “mães solos” que estão presas. Nunca tinha lido nada dele sobre os homens que deixam os filhos à mercê, mas tudo bem.
Antes de sair, desviei seis passos. Minha Bela Adormecida ronronava no quarto. Minha filha desfrutava de mais uns minutos na cama. Como eu não estava preso, ela me estava ao alcance de um abraço.
Eu estou livre. Livre pra tomar café caseiro, trabalhar e deitar com a minha filha. Isso porque, no 8 de Janeiro, eu estava em casa, feliz com a assunção há pouco do presidente que eu ajudei a escolher. Preparando-me pra ajeitar a passarela do carro no outro dia. Curtindo e educando minha filha.
Passei outros tantos domingos também em casa, contrariado com o presidente que eu não concordava, mas a resiliência e a noção de democracia me deixavam em casa, sem cometer ou tentar cometer crime nenhum contra o Estado Democrático de Direito.
Talvez tenha faltado a essas mães (e pais, e irmãos, e esposas e maridos) agora presas alguém que, num domingo, lhe passasse uma carraspana, quando, mimadas, não aceitavam uma decisão que lhes contrariasse.
Minha dica: não cometam crimes. Contra pessoas ou instituições. Aceitem o resultado das eleições. Ou a vida como ela é. Sejam resilientes. Vão arrumar o pátio. Quem mora em casa sabe, sempre tem alguma coisa pra fazer no pátio.
E ensinem seus filhos a não serem mimados e a compreender que nem tudo é como eles querem sempre.
*Delmar Bertuol é professor de história da rede municipal e estadual, escritor, autor de “Transbordo, Reminiscências da tua gestação, filha”
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