Juros drenaram quase 40% da riqueza gerada em um ano
por Leonardo Silva
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar os juros básicos de 11,25% para 12,25% ao ano vai contribuir para esfriar a economia, desviando recursos que poderiam ajudar empresas e famílias a pagar suas contas, elevar seu nível de consumo e satisfazer suas necessidades mais imediatas. Além disso, o encarecimento dos custos do crédito terá impactos sobre a renda disponível das famílias e sobre o caixa das empresas, podendo conduzir a novo ciclo de inadimplência diante da redução de sua capacidade de honrar compromissos financeiros.
Segundo dados do Banco Central (BC), a dívida ampliada de pessoas jurídicas e das famílias saiu, respectivamente, de R$ 5,499 trilhões e R$ 3,709 trilhões em outubro do ano passado para, na mesma sequência, perto de R$ 6,311 trilhões e R$ 4,152 trilhões, o que correspondeu a um crescimento de 14,9% no estoque de crédito contratado pelas empresas e de 12,06% para as famílias. As taxas de juros recuaram de 19,8% para 19,0% ao ano no caso das pessoas jurídicas, baixando de 34,2% para 32,4% para as famílias.
Numa conta aproximada, que considera as mesmas estatísticas, pode-se estimar que os juros pagos pelas empresas consumiram R$ 1,199 trilhão nos 12 meses terminados em outubro deste ano, o que representou um aumento de 10,3% frente a uma despesa de R$ 1,088 trilhão nos 12 meses imediatamente anteriores. O orçamento das famílias, por sua vez, sofreu impacto de R$ 1,345 trilhão entre novembro de 2023 e outubro deste ano, o que se compara com R$ 1,267 trilhão nos 12 meses anteriores, numa variação nominal de 6,2%. Ainda nos mesmos períodos, os juros pagos pelo conjunto do setor público avançaram de R$ 720,108 bilhões, perto de 6,71% do PIB, para R$ 869,321 bilhões, alcançando 7,57% das riquezas geradas pela economia brasileira nos 12 meses encerrados em outubro passado.
Transferência de renda
A soma geral mostra que os juros impostos pela política insana do BC a toda a economia subiram quase 11% em um ano, saindo de R$ 3,075 trilhões, em valores aproximados, para R$ 3,413 trilhões. Isso significa que os juros drenaram do lado real da economia qualquer coisa em torno de 39,7% do PIB. E essa fatia vem crescendo quando se considera que, até outubro do ano passado, a participação das despesas com juros no produto total havia se aproximado de 28,7% do PIB. Mais claramente, a política de juros permitiu a transferência do lado real da economia para algumas centenas de milhares de rentistas de alguma coisa correspondente a quase 40% de toda a riqueza produzida pela economia brasileira.
Ainda na área pública, pode-se esperar novos aumentos das despesas com juros, que hoje já respondem por mais de um quarto dos gastos totais do governo central, incluindo aqueles de caráter financeiro. Qualquer tipo de “ajuste fiscal”, neste cenário, será insuficiente para compensar os desequilíbrios gerados pela “gastança” dos juros. Como já anotado neste espaço, os dados oficiais, atualizados mensalmente pelo BC, retratam o estrago causado por juros excessivamente elevados, que colocam o Brasil, atualmente, na segunda posição entre as economias com as maiores taxas reais de juros do planeta.
Entre setembro de 2022 e o mesmo mês deste ano, o saldo da dívida bruta do governo geral, somando União, Estados, prefeituras e estatais, aumentou 24,36% em valores nominais, saindo de R$ 7,262 trilhões, algo como 74,15% do Produto Interno Bruto (PIB), para R$ 9,032 trilhões, aproximando-se de 78,64% do PIB. Registrou-se uma variação, portanto, de pouco mais do que R$ 1,769 trilhão no período considerado. Tomando o mesmo intervalo, os juros acrescentados ao estoque da dívida pública somaram qualquer coisa ao redor de R$ 1,735 trilhão. Esse tipo de despesa, portanto, foi responsável por 98,07% do crescimento da dívida, cenário que tende a piorar daqui para frente.
As emissões líquidas de títulos destinados a financiar o endividamento crescente, no entanto, ficaram em terreno negativo – quer dizer, o valor dos papéis recomprados pelo governo foi superior ao valor dos títulos públicos vendidos ao mercado, numa diferença de R$ 22,180 bilhões. Em outros termos, não fosse o pagamento de juros e outros ajustes (especialmente por conta do impacto do câmbio sobre títulos transacionados pelo Brasil no exterior), a dívida teria sido reduzida.
Leonardo Silva – Jornalista, colabora com o jornal Valor Econômico.
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