O novo relatório anual da Repórteres Sem Fronteiras (RSF), publicado nesta terça-feira (9), trouxe números devastadores — e, paradoxalmente, um renovado senso de urgência capaz de recolocar a proteção ao jornalismo no centro das agendas democráticas. Segundo a organização, quase metade dos jornalistas mortos no mundo em 2025 foi assassinada pelas forças israelenses durante a ofensiva em Gaza.
Ao todo, 29 jornalistas palestinos foram mortos no enclave, tornando Israel, pelo terceiro ano seguido, o país mais letal para profissionais da imprensa. “Jornalistas não apenas morrem — eles são assassinados”, afirmou o diretor-geral da RSF, Thibaut Bruttin, denunciando a escalada da violência e o enfraquecimento das instituições globais de proteção.
Apesar da gravidade dos números, a divulgação do relatório tem impulsionado uma nova onda de solidariedade, iniciativas legislativas e articulações diplomáticas que buscam garantir condições mais seguras e transparentes para o trabalho jornalístico em zonas de conflito.
ONU reforça reação global: morte de jornalistas é crime de guerra
A manifestação da Relatora Especial da ONU para Liberdade de Expressão, Irene Khan, acendeu um sinal de força e renovou o sentimento de que a comunidade internacional já não aceita a normalização da violência contra jornalistas. Em pronunciamento contundente, ela afirmou que matar jornalistas é um crime de guerra, previsto no direito internacional e humanitário — e que o mundo tem a obrigação de agir para pôr fim a essa prática.
Sem hesitar, Irene Khan destacou que o caso de Israel tornou a urgência ainda mais evidente. Segundo ela, a impunidade com que jornalistas palestinos vêm sendo assassinados demonstra a necessidade de pressão diplomática, econômica e institucional para conter violações cometidas durante a guerra.
“A morte de um jornalista é a forma mais egrégia de censura. É um crime de guerra. A comunidade internacional tem responsabilidade de agir”, afirmou.
A relatora lembrou que, para muitos governos, especialmente aliados estratégicos de Israel, chegou o momento de assumir suas responsabilidades internacionais. Segundo ela, apenas uma resposta firme — por meio de resoluções, sanções e mecanismos de investigação independentes — poderá alterar a lógica atual de impunidade.
Especialistas diplomáticos avaliam que as declarações de Khan podem impulsionar iniciativas no Conselho de Direitos Humanos e na Assembleia Geral da ONU, ampliando o custo político das violações contra repórteres e reforçando a pressão por acesso livre à imprensa internacional em Gaza.
A relatora alertou para um fenômeno que se agrava em conflitos contemporâneos: os repórteres deixaram de ser protegidos e passaram a ser tratados como alvos por grupos armados e exércitos que temem a exposição de possíveis crimes.
“Os jornalistas não querem ser a notícia; eles querem fazer a notícia”, disse Khan.
“Infelizmente, Gaza provou que aqueles que não querem que a verdade venha à tona atacam indiscriminadamente os profissionais da imprensa.”

Gaza: epicentro da tragédia e do clamor internacional por mudança
O relatório aponta que 43% dos 67 jornalistas mortos em 2025 foram assassinados pelas forças armadas israelenses na Faixa de Gaza. Um dos episódios mais brutais ocorreu em 25 de agosto, quando um duplo bombardeio contra um hospital no sul do enclave matou cinco repórteres, incluindo um fotojornalista da Aljazira e colaboradores da Reuters e da Associated Press.
Desde o início da ofensiva israelense intensificada em 2023, os números tornaram-se estarrecedores:
Quase 300 jornalistas foram mortos em Gaza em 26 meses, segundo o Shireen.ps, site criado em memória da jornalista palestina Shireen Abu Akleh.
Israel segue proibindo a entrada de jornalistas estrangeiros no território, permitindo apenas visitas rigidamente supervisionadas pelo Exército.
As restrições, porém, têm gerado forte reação global. Organismos internacionais, veículos de imprensa, universidades e sindicatos têm ampliado ações coordenadas para exigir livre acesso ao enclave e responsabilização por ataques deliberados à imprensa.
Violência global persiste, mas mobilização cresce
Fora do Oriente Médio, o relatório da RSF também cita outros epicentros de risco:
- México, com nove mortes, segue como o país mais perigoso nas Américas.
- Sudão e Ucrânia registraram quatro e três mortes, respectivamente, em meio a conflitos internos e guerras prolongadas.
- No total, 503 jornalistas estão presos em 47 países, com China, Rússia e Myanmar liderando o ranking. A RSF também contabiliza 135 profissionais desaparecidos e 20 mantidos como reféns.
Ao apresentar os dados, a organização destacou não apenas a violência, mas o que chama de “fracasso das potências internacionais em garantir proteção efetiva”. Ainda assim, observou que os ataques despertaram um movimento crescente de pressão por reformas, incluindo:
- novos protocolos internacionais para atuação em zonas de conflito;
- iniciativas no Parlamento Europeu e na ONU por corredores seguros para imprensa;
- maior cooperação entre veículos para reforço à cobertura e segurança;
- fundos emergenciais de proteção a jornalistas independentes.
- sanções contra indivíduos e autoridades responsáveis por ataques deliberados;
- investimentos em tecnologia de proteção e comunicação segura;
- pressão ampliada por acesso irrestrito à Faixa de Gaza;
- campanhas globais por responsabilização em tribunais internacionais.
Jornalismo sob ataque, democracia em reconstrução
Apesar do ambiente hostil, a RSF vê razões para otimismo: o trabalho jornalístico, mesmo sob risco extremo, continua a expor violações, documentar crimes de guerra e garantir que a memória coletiva não seja apagada.
O relatório renovou uma consciência global: proteger jornalistas é proteger a própria democracia. E, diante do impacto dos números de Gaza, cresce a expectativa de que o tema avance em agendas multilaterais em 2026.