A expansão do Smart Sampa, sob a justificativa de reforçar a segurança pública, revela algo mais profundo e preocupante. Esse modelo de hipervigilância não apenas atropela direitos fundamentais, mas também aprofunda desigualdades estruturais e expõe determinados grupos a uma vigilância seletiva e desigual. A Prefeitura de São Paulo implementou a tecnologia de reconhecimento facial sem qualquer transparência ou debate público, e seguiu a lógica de uma segurança espetacularizada que não se sustenta em dados concretos. Como toda ferramenta de controle social, o Smart Sampa não apenas vigia, mas também define quem deve ser monitorado. E, como mostram estudos, os alvos são sempre os mesmos.

O perfilamento racial e a criminalização da pobreza são subprodutos conhecidos dessas tecnologias. Estudos demonstram que sistemas de reconhecimento facial apresentam índices alarmantes de erro quando aplicados a pessoas negras, mulheres e transgênero. Ainda assim, a Prefeitura defende sua implementação sem qualquer critério de transparência e controle. O resultado é previsível: falsos positivos, prisões indevidas e um reforço institucionalizado à segregação racial. Nos últimos anos, cidades que adotaram sistemas similares ao Smart Sampa demonstraram ineficiência na redução da criminalidade e um impacto desproporcional sobre grupos racializados. Em 2019, uma pesquisa conduzida pela Rede de Observatórios da Segurança apontou que, na Bahia, durante o Carnaval, o reconhecimento facial gerou 903 alertas e resultou na prisão de apenas 15 pessoas. Dos presos, 90,5% eram negros, ponto que evidencia o viés racial da tecnologia.

A Defensoria Pública de São Paulo alertou para esses riscos e recomendou que a tecnologia não fosse utilizada no Carnaval.  A resposta veio em forma de retaliação: pedidos de afastamento contra as defensoras que assinaram o ofício, articulados por uma deputada estadual alinhada ao governo municipal. Trata-se de uma tentativa deliberada de silenciar quem ousa questionar a implementação de políticas de segurança que, no fundo, aprofundam desigualdades estruturais e restringem liberdades individuais.

A nota de apoio assinada por diversas organizações de direitos humanos, como a Rede Liberdade, reforça a gravidade da situação e a necessidade de resguardar a autonomia da Defensoria Pública. A Organização das Nações Unidas (ONU) já alertou que governos devem se abster de criminalizar defensores de direitos humanos. No entanto, o governo municipal e setores do legislativo paulistano preferem desviar o debate e atacar quem denuncia as violações.

É preciso superar a visão rasa que confunde vigilância com proteção. O Smart Sampa não combate a violência urbana nem promove segurança real. Em vez disso, institucionaliza a seletividade penal e reforça práticas historicamente violentas contra as periferias.

O que está em jogo não é apenas o direito à privacidade, mas a própria estrutura democrática. Permitiremos que a tecnologia seja usada para reforçar um Estado policialesco ou exigiremos transparência e respeito aos direitos fundamentais? O direito à liberdade não é negociável – e retroceder não é opção.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 05/03/2025