No último dia 14 de janeiro, o Ministério da Educação (MEC) lançou o Programa Mais Professores para o Brasil, visando “promover a valorização e a qualificação do magistério da educação básica e o incentivo à docência no Brasil”, um antigo reclamo para o setor que padece de reconhecimentos, de condições de trabalho e que foi agravado no período sombrio pós-golpe 2016 e no Governo Bolsonaro, com ataques à professoras(es) e à Educação Pública. Este cenário nos provoca a refletir sobre a criação do Programa e seu papel à atratividade pela profissão docente, uma vez que apenas cerca de 3% dos estudantes do ensino médio pretendem seguir carreira no magistério e o eminente “Apagão Docente”, segundo dados do MEC. Por que há tanto desinteresse pela profissão docente? E, afinal, o que compreendem por formar e valorizar professoras e professores?
O Programa anunciado envolve ações distribuídas em 5 eixos estruturantes: 1. Seleção para o ingresso na docência: Prova Nacional Docente; 2. Atratividade para as licenciaturas: Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas; 3. Alocação de professores: Bolsa Mais Professores para incentivar a atuação em regiões e áreas de conhecimento com carência de docentes; 4. Formação docente: Portal que visa fortalecer o desenvolvimento profissional de acordo com o perfil e a necessidade do docente; 5. Valorização dos professores: Ações de reconhecimento da importância social dos docentes, estabelecidas por meio de parcerias com outros ministérios e órgãos públicos;
De acordo com o Programa, a Prova Nacional Docente teria o objetivo de auxiliar as redes de ensino na seleção de seleção de profissionais qualificados. Sem dúvida uma importante iniciativa num país em que as redes públicas optam por selecionar professoras(es) em processos simplificados implicando, em alguns casos, corpo docente com mais de 60% de pessoal com vínculo temporário e precarizado em direitos e condições de trabalho. No entanto, vale salientar que a Prova Nacional segue a mesma lógica das avaliações de larga escala e externas atribuindo um sentido de padronização da formação docente já presente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de Professores (Resolução CNE/CP 04/2024), uma vez que seguirá a matriz do Enade das Licenciaturas, conforme detalha o decreto que institucionaliza a iniciativa.
Nesse sentido, a Prova Nacional, possivelmente, buscará avaliar se as(os) professoras(es) possuem as competências e as habilidades necessárias ao desempenho da função docente previstas nas Diretrizes, que caracterizam um(a) “profissional qualificado”, do que uma formação baseada no conhecimento da realidade social e da diversidade de cada região e cultura na qual o(a) docente se insere. Esse ideário parece representar enorme desafio, dado que o Brasil é um país heterogêneo em aspectos e em contextos, como garantir diversidade numa seleção em âmbito nacional.
Como iniciativa para atratividade, a Bolsa Pé-de-Meia Licenciaturas consiste no pagamento de um auxílio financeiro para estudantes que escolherem cursos que formem professores, tanto em instituições de ensino superior públicas e particulares, no valor de R$1.050 de bolsa mensal, com saque de R$700,00 a qualquer momento e R$350,00 de poupança com saque quando ingressar na rede pública de ensino. Além disso, o montante da Bolsa que não será sacado durante o período que o(a) estudante ficará cursando a licenciatura, ficará na poupança mensalmente e estará à mercê do mercado financeiro, dos especuladores. Quem será valorizado com isso? Conforme indicado no site do MEC, em quatro anos e com os rendimentos, a poupança pode significar expressivos R$ 50 mil!
Inegavelmente, um valor que convida para o ingresso na docência, especialmente para quem busca as licenciaturas – filhas(os) da classe trabalhadora. Por outro lado, esse elemento que viceja atrair para a docência no ensino público se confrontará com a dura realidade da profissão docente, ao não solucionar questões estruturantes como os baixos salários, os quais, em determinadas realidades, nem alcançam o piso nacional estabelecido à categoria. O montante inicial será ínfimo para as jornadas extenuantes e exigências que extrapolam questões da dinâmica pedagógica impostas à docentes, as quais passam ao largo do que mais seria importante discutir nesse momento.
Outra questão importante a ser considerada é o fato de que as bolsas poderão ser destinadas a estudantes de instituições privadas, por meio do Fies e do Prouni, o que significa transferir recurso público para as instituições privadas. Mesmo considerando a destinação pública, apenas aquelas IES que tem ingressos em suas vagas por meio do SISU serão contempladas, deixando de fora grande parte de universidades estaduais, responsáveis em grande medida pela interiorização do ensino superior, especialmente de cursos de formação de professoras(es), uma contradição com o programa que visa atacar a carência docente nos rincões desse país.
A iniciativa apresentada na última quarta feira parte de uma visão enviezada que é basilar a toda política neoliberal sobre a formação de professoras(es) e que é nutrida desde o Governo Temer, sem interrupções. Segundo o site do MEC, “Professores constituem o fato intraescolar que mais impacta a aprendizagem dos estudantes”, relegando ao indivíduo a razão e a solução para um problema complexo. Desconsideram que o binômio ensino e aprendizagem caminham paripasso e que requerem um conjunto de demandas, não se restringindo ao trabalho do(a) professor(a) em sala de aula, é ulterior e requer investimentos que superem apenas a concessão de uma bolsa.
Importa destacar que essas bolsas que concorrerão com outras iniciativas na graduação e que tem exigências formativas em diversas áreas, o que está dispensado no Pé de Meia, uma vez que não estará relacionada a nenhuma iniciativa do tripé universitário. Quem irá se disponibilizar para bolsas de monitoria acadêmica, de iniciação científica, de extensão, de iniciação à docência ou de iniciação artística, se o Pé de Meia não requer qualquer dedicação a uma atividade e ainda dá perspectiva de inserção profissional com um valor a ser recebido no futuro? Será o começo do fim das iniciativas de formação nos cursos de licenciatura – e falar sobre esses cursos seria um bom tema para discutir verdadeiramente a valorização de professoras(es)!
Não aliar a concessão de bolsas a um programa de formação é perder a oportunidade de promover reflexões sobre a realidade da educação brasileira, sobre a escola, especialmente a pública em seus mais diversos contextos, dilemas e possibilidades. O Governo Federal já tem larga experiência em iniciativas como o Pibid o qual foi obliterado do Mais Professor para o Brasil! Há um sem número de experiências que o Pibid trouxe para a formação de professoras(es), com o envolvimento da escola e de professoras(es) da educação básica desenvolvendo ações nos cursos de licenciatura, trazendo o contexto profissional para dentro das universidades, institutos e faculdades que formam docentes no Brasil há mais 15 anos. Desconsiderar essa trajetória revela o descompasso com a realidade da formação de professoras(es).
A Bolsa Mais Professores, outra iniciativa de atração à docência, visa a fomentar a atuação de professores em região com maior carência docente referenciada na experiencia do Programa Mais Médico. O que se conhece é que cada professor(a) vai receber uma bolsa de R$2.100,00 mensal durante dois anos e terá que participar de um curso de especialização com foco na docência. Por que professores não permanecem em determinadas regiões? Porque as condições para permanecer naquela região não são adequadas. Mais efetivo, seguramente, seria investir na infraestrutura para que os (as) docentes pudessem permanecer com qualidade naquela região, ao invés de conceder uma Bolsa em caráter provisório ou ainda ampliar a concepção formativa, desenvolvendo uma ação de indução docente durante o ingresso na carreira, período em que se registram acentuado grau de desistência da profissão, uma residência docente, aos moldes da médica.
O eixo da valorização das(os) professoras(es) que inclui benefícios exclusivos, como parcerias com bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica), por meio de concessão de cartões com condições diferenciadas, do Ministério do Turismo, que concederá descontos em hotéis pelo Brasil e ainda premiará docente com notebooks. De algum modo reconhecem o achatamento salarial, ao pautarem ideia que docentes não tem condições financeiras para acessar esse serviços ou bens, sem, contudo, atacar essa grave marca da docência no Brasil. Na verdade, a medida poderá levar as(os) professoras(es) a uma situação de endividamento por meio do incentivo ao consumo e ao crédito fácil, sem a devida contrapartida da valorização salarial. Do contrário, por meio do cumprimento do Piso Salarial, os (as) professores (as) não precisariam de benefícios diferenciados, de migalhas. Cada docente deveria ter condição de adquirir com seu próprio salário, fruto de seu trabalho, bens e serviços que deseja usufruir.
O presidente Lula, presente à cerimônia de lançamento do Programa Mais Professores para o Brasil, afirmou que para os professores não fazerem greve seria necessário pagar um salário mais decente, ou seja, nas suas palavras, “[…] se não quer que professores não façam greve, pague um salário mais decente!”. A valorização dos(as) professores(as) passa, em primeiro lugar, por aí, no investimento no salário digno, mas também envolve uma carreira e condições de trabalho atrativos, uma formação inicial e continuada plural, diversa com investimento em cursos de licenciatura públicos. Os eixos estruturantes do Programa Mais Professores para o Brasil não incidem sobre nenhum desses pontos, caminhando na contramão daquilo que se propõe, a valorização de professoras(es).
A valorização docente se faz pelo investimento na formação inicial e continuada, garantindo oportunidades de permanência universitária – o que é cumprido em parte com a bolsa pé de meia, de inserção no cotidiano escolar, em iniciativas como o Pibid, oportunizando conhecimento sobre a profissão em seu contexto, promovendo reflexões sobre a realidade que aguarda futuras(os) professoras(es). Faz-se promovendo uma carreira com acesso por meio de concursos públicos regulares, com planos que lhes deem condições de se desenvolver funcional e profissionalmente. É feita também por melhores condições de trabalho, com jornadas que intercalem exercício em sala de aula e efetivo tempo de planejamento e com salários dignos, equivalentes a outras carreiras que exigem formação e que desempenham papel estratégico para a sociedade: formar cidadãs e cidadãos.
Para atrair estudantes para as licenciaturas, é preciso que a profissão seja valorizada e reconhecida, ao invés de buscar atrair com penduricalhos, como bolsas, a exemplo do Pé-de-Meia, pois ao ingressar na carreira a(o) docente, findado o recurso, irá se deparar com uma carreira desvalorizada e que dadas as condições de trabalho poderá gerar fuga para outras áreas. Porque ser professor(a) no Brasil é ser desvalorizado(a) profissional e financeiramente, não ser respeitado(a) em direitos, remuneração e condições de trabalho. Hoje, em determinados contextos, é uma profissão de risco.
Então, como estimular a busca pela profissão docente? Na visão do Ministro Camilo Santana, é simples, um programa pontual que ora premia com bolsa, ora com um cartão sem anuidade, ora com notebook, sem contar o desconto em hotéis! Parece-nos distópico ante uma realidade tão grave e que remonta toda a história da educação brasileira, não tendo solução simplória. Ante a pirotecnia de programas de gabinete, concebidos sem participação de instituições formadoras, de entidades representativas e científicas, nutre distorções que nos fazem ressignificar a máxima que versa sobre excessos e despropósitos: “menos é MAIS”.