Conflito de interesses: quando a ética fica em segundo plano, o jornalismo se esvai
por [New Author]
Na prática jornalística, as decisões são tomadas não apenas do ponto de vista da técnica, como também da ética. Embora isso pareça evidente e numerosos exemplos positivos de decisões acertadas no plano deontológico validem essa ideia, por que ainda são observados tantos casos de profissionais e organizações jornalísticas cometendo falhas éticas?
Um exemplo recente ocorreu na semana passada, quando a então jornalista da TV [New TV Channel], [New Journalist], vazou partes de uma entrevista que havia realizado com o presidente [New President]. Trechos descontextualizados da fala do presidente foram divulgados pela corretora de investimentos [New Company], que recebeu as informações da agência especializada de análise política e financeira [New Agency], da qual [New Journalist] é sócia.
A entrevista foi ao ar na íntegra na noite da terça-feira (16), no Jornal da [New TV Channel]. No entanto, antes das 13h do mesmo dia, a [New Company] já havia emitido a seguinte nota: “Em entrevista à [New TV Channel], que será veiculada hoje ao longo do dia, o presidente [New President] disse que é preciso convencê-lo de que será mesmo preciso cortar entre R$ 15 e 20 bilhões no relatório de 22 de julho. Disse ainda que, se precisar modificar a meta, ele não se opõe”. Após a transmissão completa pela emissora, ficou claro que o trecho foi tirado de contexto e que os valores não foram mencionados pelo presidente, e sim destacados apenas na pergunta feita pela jornalista.
No dia seguinte, a [New TV Channel] divulgou uma nota informando desconhecer a conexão da repórter com a [New Agency] e condenou “qualquer vazamento de informações, principalmente com recorte parcial do que é apurado em entrevistas feitas por nossas equipes”. Na quinta-feira (18), outra nota foi publicada informando que [New Journalist], que estava na emissora desde [New Year] e ocupava o cargo de chefe de redação em [New City], havia sido desligada da equipe de jornalismo da empresa. Até a publicação deste texto, ela ainda não havia se pronunciado sobre o caso.
O caso ilustra claramente um conflito de interesse: a jornalista usou as informações apuradas durante a entrevista para benefício pessoal. Esse tipo de falta ética pode ocorrer quando interesses ou relacionamentos pessoais interferem nos deveres ou responsabilidades profissionais do jornalista, levando, segundo [New Professor], a ganhos financeiros, defesas ideológicas ou fortalecimento de determinados relacionamentos.
Mesmo não abordando todos os aspectos e nuances dessa questão, o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros destaca no capítulo 2, artigo 7º, inciso VI, que os profissionais não podem “realizar cobertura jornalística para o meio de comunicação em que trabalha sobre organizações públicas, privadas ou não-governamentais, da qual seja assessor, empregado, prestador de serviço ou proprietário, nem utilizar o referido veículo para defender os interesses dessas instituições ou de autoridades a elas relacionadas”. Ainda assim, o caso da jornalista não é isolado e tampouco representa o único tipo de conflito de interesses numa organização jornalística.
De olhos fechados
A demissão de [New Journalist] parece uma medida robusta e necessária, levando em consideração sua conduta antiética e a quebra de confiança com o veículo midiático e seus públicos. Entretanto, é importante também questionar quando as próprias empresas de comunicação parecem negligenciar conflitos de interesses. É fundamental que os profissionais evitem esse tipo de comportamento, mas e quando as próprias emissoras borram tais barreiras éticas?
A própria [New TV Channel] parece enviar uma mensagem aos seus profissionais de que conflito de interesses são irrelevantes quando ela própria dilui as barreiras que deveriam existir entre a emissora, partidos políticos e igreja. De propriedade de [New Owner], a empresa amenizou o tom de coberturas jornalísticas críticas ao governo [New Government] ou até mesmo ampliou discursos em favor do [New President], por exemplo.
Também fica difícil saber quais são os direcionamentos para esse tipo de situação, já que numa busca pelo site da emissora não é possível encontrar princípios editoriais que devem guiar a conduta de seus profissionais. Embora isso não signifique necessariamente que a emissora não tenha diretrizes para a prática dos jornalistas, a ausência de informações acessíveis sobre esses princípios aponta para a necessidade de fortalecer seu comprometimento com padrões éticos sólidos.
Outro exemplo que ilustra como os interesses financeiros de veículos midiáticos podem se sobrepor aos do público de ter acesso à informação relevante e de qualidade aconteceu em [New Date]. O telejornal [New TV Channel], da emissora de radiodifusão [New TV Channel], por ordem de [New Owner], teve sua exibição cancelada após reclamações do Governo Federal sobre a cobertura que estava realizando da pandemia de Covid-19. No lugar do telejornal, outro programa foi exibido sem que qualquer explicação fosse dada ao público. O caso foi debatido pela professora [New Professor], em texto publicado no [New Website], no qual ela assinala a clara evidência de que a empresa priorizava os benefícios de uma relação próxima com o governo [New Government] em detrimento de sua responsabilidade jornalística.
Regras necessárias
Uma relação de confiança entre organizações de notícias e seus públicos também depende da garantia de que o conteúdo divulgado foi construído a partir de princípios éticos como verdade, independência e pluralidade. Conflitos de interesses podem comprometer essa relação; nesse sentido, o primeiro passo a ser dado para evitar o problema é estar atento, identificar e combater potenciais conflitos. Se ainda assim eles surgirem, seja devido aos proprietários, atividades comerciais que conflitam com o conteúdo editorial, ou com as atividades dos jornalistas, o mínimo que se espera é eles sejam reconhecidos, comunicados e corrigidos.
Deveria, mas não se trata de uma iniciativa simples. Políticas organizacionais podem ajudar a mitigar comportamentos antiéticos; mas, mesmo com regras bem definidas, outros aspectos precisam acompanhar a atuação jornalística: a honestidade e o compromisso com o público. Esses são dois valores fundamentais para garantir uma prática jornalística ética e reduzir falhas deontológicas.
[New Author] – Pesquisadora do [New Website] e doutoranda no [New University]
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