“Qual é o limite do humor?”. Essa pergunta virou um clichê anos atrás quando a discussão sobre o que seria permitido ou não na comédia ganhou força.
Bom, com a unânime defesa do “humorista” Leo Lins diante da recente condenação à prisão (que dificilmente será executada infelizmente), e que abarca de “comediantes” da mesma estirpe a grande parte da imprensa, a resposta parece ser: nenhum.
O “humorista” teve direito a editorial na Folha de S. Paulo cravando que a sentença é “típica de ditaduras”. Pois bem, apenas uma semana antes, MC Poze do Rodo teve a residência invadida pela polícia, foi algemado diante da esposa e filhos, e, rendido e sem camisa, exposto à imprensa antes de ser levado a uma penitenciária por crime de “apologia ao crime”. Mas isso não indignou a Folha, muito menos a fez questionar o judiciário brasileiro.
Por trás de um debate abstrato sobre “liberdade de expressão”, esconde-se o velho racismo. Simples assim. Um jovem negro de comunidade não tem o direito de cantar sua realidade, mas o “humorista” branco, loiro, de olhos azuis não só pode difundir racismo, capacitismo, LGBTIfobia, e todo tipo de ataque às populações e setores mais oprimidos e marginalizados, como fica rico com isso, transformando uma séries de crimes em marketing.
E não se engane, neste momento ele, e a sua equipe, contabilizam a exposição na mídia e o quanto vão conseguir capitalizar com a tal condenação. Enquanto ele grava vídeo posando de bom moço e dizendo: “não fui eu quem disse tudo aquilo, foi meu eu lírico“.
Piadas não são ingênuas
Um policial, em geral, não acorda num belo dia pela manhã e pensa: “vou matar um jovem negro”. Um homem não assassina uma trans num repentino surto de violência e sadismo. Uma criança não é abusada do nada. Para além da ofensa direta, o que é chamado de “piada”, neste contexto, reforça um determinado discurso dominante, que tenta desumanizar ainda mais os setores oprimidos, e normalizar esse tipo de crime.
O racismo, a LGBTIfobia, o machismo e demais opressões são reforçados, perpetuados e, ainda mais, legitimados, por aquilo que fomos ensinados a entender como inofensivas piadas. Se o prejuízo que causa no almoço de família ou no churrasco da firma, ou seja, em ambientes privados, já serve a isso, imagine num teatro com centenas de pessoas. Imagine amplificado para milhões através das redes sociais.
O argumento de que as pessoas “pagaram para ver” um show serve como salvo-conduto para a prática desses crimes é tão cínico quanto falacioso. Um bando de racistas, LGBTIfóbicos e todo o chorume da sociedade financiar um crime, não faz com que seja menos criminoso, e seus efeitos menos deletérios às populações atacadas. Com a Internet isso se torna ainda mais grave.
Outro argumento igualmente ridículo, repetido por quem faz a mesma coisa: “ah, então prende a fulana da novela”. Ora, quem esgrima esse tipo de coisa sabe muito bem que esse “formato” de stand-up, importado dos EUA (só podia), tem como princípio básico a pessoalidade e a espontaneidade. Não é um “personagem” fictício que está ali no palco, é uma pessoa com nome e sobrenome. Não é por acaso que grande parte dos textos de stand up são em primeira pessoa.
Sem ideia para racistas e afins
A sociedade capitalista é racista. No Brasil, o peso do racismo tem a mesma proporção do fato de ser um país construído por cima de sangue e corpos negros escravizados. Assim como é LGBTIfóbica, machista, capacitista, etc. Como disse Malcolm X, “não é possível haver capitalismo sem racismo”. Esse sistema utiliza a opressão como meio para superexplorar ainda mais os grupos mal-chamados de “minoritários”. O fim do racismo e de todo tipo de opressão, assim, só vai ocorrer com o fim e a superação do capitalismo.
A criminalização do racismo, e a sua extensão a outros tipos de opressão, porém, não foi uma benevolência de uma justiça que é, por si só, opressora em todos os sentidos. Foi, dentro dos limites deste sistema. fruto da luta do movimento negro, LGBTI+, e demais lutas históricas contra a opressão. É um direito básico de não ser morto, ofendido e discriminado por simplesmente ser quem é.
Racismo é crime, LGBTIfobia é crime, capacitismo é crime. Ponto.
A pergunta não deveria ser “qual é o limite do humor”, mas “qual o limite do racismo?”, “da LGBTIfobia?”, “do capacitismo?”. E a resposta é simples: assim que ele começa.