A trajetória de Qadri Tuqan (1904–1971), matemático, historiador da ciência e combatente da causa nacional palestina, é uma das mais notáveis expressões do papel que a intelectualidade árabe desempenhou na luta contra o colonialismo britânico e o sionismo. Nascido em Nablus em uma família de prestígio — filho de Hafiz Tuqan e sobrinho de Abdel Fattah Tuqan —, teve como primos os poetas Ibrahim e Fadwa Tuqan, figuras centrais na cultura nacional palestina. Desde cedo, aliou a formação científica à militância política e ao compromisso com a emancipação de seu povo.

Graduado em matemática pela Universidade Americana de Beirute em 1929, Tuqan retornou à Palestina e passou a lecionar na Escola al-Najah, também em Nablus, onde mais tarde assumiria a direção. Sua atuação não se limitava ao ensino: foi preso em 1936 pelas autoridades do Mandato britânico, em meio à eclosão da Revolta Árabe, e enviado ao campo de Sarafand, no sul de Haifa.

A prisão não arrefeceu seu compromisso. Em seus textos e intervenções, Tuqan defendia abertamente a função dos intelectuais como organizadores da resistência e formadores de uma juventude consciente. “A juventude deve ser patriótica, imbuída do amor pela sua pátria, saber como servi-la e acreditar no trabalho para que ela se sustente por seus próprios pés”, afirmava.

Sua oposição ao sionismo se expressava tanto na ação política quanto na argumentação intelectual. Em 1945, após o fim da Segunda Guerra Mundial, professores universitários e docentes norte-americanos enviaram uma petição ao presidente Franklin Roosevelt solicitando a abertura da Palestina à imigração judaica. Qadri Tuqan respondeu à altura, em carta redigida em nome próprio e em sua condição de membro da Sociedade Matemática Americana. Nela, denunciava a distorção deliberada da realidade:

“Talvez alguns de vocês nem saibam da existência dos árabes na Palestina, à qual ela pertence de direito, e talvez ignorem que não é nem justo nem correto, quaisquer que sejam as leis que obedeçam, pedir às nações poderosas do mundo que forcem os árabes a aceitar uma pátria nacional judaica em seu país.”

Em tom firme, mas sem ceder ao sectarismo, Tuqan repudiava as injustiças contra os judeus na Europa — que classificava como “calamidades” —, mas rejeitava que os palestinos devessem pagar por elas:

“Os árabes da Palestina não cometeram crime algum pelo qual devam sofrer, nem tiveram qualquer responsabilidade nas desgraças que se abateram sobre os judeus. Rejeitamos o nazismo e seus planos de aniquilação, mas se vocês realmente se importam com o bem-estar dos judeus e querem garantir-lhes uma entidade nacional, então abram as portas dos Estados Unidos para eles, e não nos exijam abrir as portas da Palestina à força.”

A carta de Tuqan não era apenas uma resposta à propaganda sionista, mas uma denúncia direta do papel do imperialismo norte-americano na tentativa de impor, contra a vontade do povo árabe, um enclave colonial no coração do Oriente Médio.

Além de sua atuação política e de sua militância antissionista, Tuqan também foi responsável pela fundação do Comitê Cultural Árabe em 1945 e pela organização da Primeira Feira do Livro Palestino, realizada em Jerusalém em 1946. O evento reuniu cerca de 800 livros em árabe e dezenas em outros idiomas, numa afirmação da cultura palestina diante da ofensiva colonial.

Após a Nakba de 1948 e a anexação da Cisjordânia à Jordânia, Tuqan foi eleito deputado por Nablus ao Parlamento jordaniano em 1950, cargo que ocupou até 1954. Participou ativamente das mobilizações pela arabização do Exército da Jordânia, enfrentando o acordo militar entre Amã e Londres. Em 1964, foi nomeado ministro das Relações Exteriores da Jordânia, atuando para reforçar os laços com o governo de Gamal Abdel Nasser, no Egito.

Seu legado como cientista também foi extraordinário. Presidente da Sociedade Científica Jordaniana de 1955 até sua morte, foi nomeado para a Academia Árabe de Damasco e a Academia da Língua Árabe do Cairo. Também foi vice-presidente da União dos Cientistas Árabes. Escreveu dezenas de livros sobre história da ciência no mundo árabe, editou manuscritos antigos de matemática e astronomia, e participou de conferências científicas em todas as capitais do mundo árabe.

Após a derrota de 1948, escreveu Após a Nakba, obra na qual faz uma crítica contundente à falta de preparo científico da luta árabe contra o sionismo:

“A catástrofe da Palestina abateu-se sobre todos os árabes. Foi resultado inevitável das práticas que os árabes adotaram em sua vida e em suas lutas — práticas alheias à ciência, sem fundamentos, presas a modelos ultrapassados, improvisadas e caóticas.”

E prossegue:

“Imaginaram que poderiam vencer os judeus com facilidade, sem esforço. Esqueceram que o fogo se combate com fogo, a ciência com ciência, a organização com organização. Por isso, o inimigo venceu. Se os árabes quiserem viver no século XX como homens livres em seus próprios países, produtivos e ativos, devem viver pela ciência, com base em dados empíricos e no método científico, e entregar os seus destinos àqueles que pensam cientificamente.”

Tuqan atribuía a responsabilidade última pelo atraso árabe ao colonialismo turco e europeu, que, segundo ele, impôs um freio ao desenvolvimento das sociedades árabes.

Recebeu diversas condecorações por sua atuação intelectual: a Ordem da Independência da Jordânia (1957), a Ordem do Mérito do Marrocos (1961), a Ordem da República do Egito (1964) e o título honorário da Universidade de Punjab (1967). Em 1990, a Organização para a Libertação da Palestina concedeu-lhe postumamente a Medalha de Jerusalém para Cultura, Artes e Literatura.

Faleceu em 26 de fevereiro de 1971, vítima de um infarto, enquanto se dirigia de Beirute para o Cairo. Foi enterrado em Nablus, ao lado de seu primo Ibrahim Tuqan.

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Last Update: 11/06/2025