O projeto além de regularizar terras griladas, é uma afronta a direitos fundamentais dos povos indígenas, dos quilombolas e das próximas gerações por ameaçar áreas ambientalmente importantes

Deputado Nilto Tatto. Foto: Mario Agra/Câmara dos Deputados

O plenário da Câmara aprovou na noite dessa terça-feira (10/6) o projeto de lei (PL 4497/24), que permite a regularização de imóveis rurais em áreas de fronteira com declaração escrita e assinada pelo requerente em substituição a certidões oficiais se não for possível obtê-las diretamente do órgão responsável pela base de dados oficial ou se o órgão passar de 15 dias para responder. O PT votou contra, e o deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, alertou que o projeto além de regularizar terras griladas “é uma afronta a direitos fundamentais dos povos indígenas, dos quilombolas e das próximas gerações, porque vai legalizar, de certa forma, áreas que são importantes do ponto de vista ambiental”.

Nilto Tatto afirmou que, ao longo da história, os povos indígenas foram empurrados pela fronteira agrícola do País. “Hoje, de São Borja (RS) ao Amapá, parte desses territórios são terras indígenas que o Estado brasileiro não atendeu o que está na Constituição para demarcar terras indígenas e os territórios quilombolas”, denunciou.

COP 30

Na avaliação do deputado Nilto Tatto, o projeto aprovado é ruim para o Brasil, é ruim para a sociedade brasileira, é ruim para a imagem do País no exterior no ano em preside a Conferência do Clima, a COP 30, em Belém. “Evidentemente, quem patrocina essas mudanças não está preocupado com a imagem do Brasil lá fora. Mas, dentro do País, também é importante que a sociedade brasileira saiba o que está sendo votado. O que está-se tentando fazer aqui é muito simples. O que se quer é dar um título definitivo para as áreas que não tenham sido consolidadas nos últimos 10 anos”, criticou.

O deputado relembrou que o Congresso aprovou em 2015 regras para a regularização pelos estados e pela União, e esse trabalho foi feito. “Nós não estamos falando daquilo que já foi regularizado e que acessa financiamentos e mesmo investimentos estrangeiros, com autorização, em área de fronteira. Nada disso traz insegurança jurídica. O que está sendo debatido aqui e o que está por trás disso é a tentativa de avançar para determinadas concessões de áreas que foram ocupadas ilegalmente, sem terem sido conseguidas pelos estados, para tentar legalizá-las”, denunciou.

Projeto dos Grileiros

Deputada Erika Kokay. Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Ao se posicionar contra o projeto, a deputada Erika Kokay (PT-DF) lembrou que recentemente a Câmara aprovou um projeto que ficou conhecido como PL da Devastação, porque elimina o rigor necessário para o licenciamento ambiental. “Agora querem aprovar uma proposta que pode ser denominado PL da Grilagem. O que nós estamos discutindo aqui, objetivamente, é a flexibilização do georreferenciamento. Não vai precisar mais de georreferenciamento para você dar a terra como garantia, que você pode ratificar…  Aqui se exigem cinco documentos, mas aqui se diz que, se não for possível conseguir os documentos e se o Estado não responder em 15 dias, pode haver a autodeclaração, isso é um absurdo”, protestou.

Erika disse ainda que o texto não preserva a área ambiental, não se preservam áreas que estão em litígio, áreas que podem ser dos povos originários. “Não se preserva absolutamente nada. É o poder absoluto daquele que acha que pode fincar as estacas das suas cercas na propriedade de todo o Brasil, nos direitos dos povos indígenas, nos direitos dos povos quilombolas ou na preservação ambiental. É autodeclaração. Não existe mais georreferenciamento. Basta apenas um cadastro para que você possa, inclusive, assegurar que a área tem uma função social”, desabafou.

Deputado Bohn Gass – Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

E o deputado Bohn Gass (PT-RS) afirmou que o projeto se posiciona somente do lado do produtor rural, desconhecendo a realidade de áreas em litígio, de preservação ambiental ou que são da União. “O que nós estamos falando aqui são áreas que têm litígio, que estão ocupadas por indígenas, áreas em preservação ambiental. É para estas que está sendo alterada a lei, para dar benefício para muitos que foram grileiros ou que ganharam títulos de forma não explicada. É para esses é que se cria um jabuti. É para esses que se altera a lei, para que um simples título de um certificado possa servir como prestação de um projeto de função social dessa terra”, protestou,

Ataque as comunidades tradicionais

Deputado Helder Salomão. Foto: Mario Agra/Câmara dos Deputados

Para o deputado Helder Salomão (PT-ES), o projeto de lei abre a possibilidade para que terras que ainda não foram oficialmente reconhecidas, mas são habitadas tradicionalmente por povos originários sejam registradas por terceiros. “Estamos falando em um ataque às comunidades tradicionais, há uma tentativa clara de facilitar o registro imobiliário de terras habitadas por povos indígenas e quilombolas”, denunciou.

Deputada Maria do Rosário. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também criticou o projeto. “O texto traz absurdos, como, por exemplo, atropelar processos administrativos que estão em curso, que ainda não receberam demarcação, mas que estão no aguardo da ação do Estado”, afirmou. Ela enfatizou que a regularização geral, como propõe o projeto, prejudica o verdadeiro agricultor, as terras indígenas, a proteção ambiental, as áreas de fronteira e o Brasil.

Texto aprovado

O projeto também autoriza a regularização fundiária de imóveis com mais de 15 módulos fiscais (grandes propriedades) em áreas de fronteira mesmo com processos administrativos em andamento de demarcação de terra indígena com sobreposição de áreas, inclusive de terra indígena tradicionalmente ocupada.

Ainda segundo a proposta, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) somente poderá emitir certidão positiva, indicando haver justaposição de áreas de terras indígenas em demarcação, quando houver publicação do decreto presidencial homologatório. Além disso, se uma decisão judicial (uma liminar de juiz, por exemplo) suspender total ou parcialmente o decreto presidencial homologatório, a certidão positiva terá efeitos de certidão negativa para fins de ratificação do registro imobiliário.

A prevalência de decisão judicial suspensiva sobre a controvérsia de domínio também se aplica a imóveis com área de até 15 módulos fiscais (pequenas e médias propriedades).

Quanto ao prazo para pedir a regularização, o projeto aprovado aumenta por mais cinco anos, de 2025 a 2030.

Unidades de conservação

Em relação aos cartórios de registro de imóveis, o texto proíbe os oficiais de recusarem o registro ou a ratificação de registro imobiliário com base em pretensões fundiárias ainda não formalmente finalizadas, tais como: processos administrativos de demarcação de terra indígena ainda não homologados por decreto presidencial; propostas de criação de unidades de conservação ou áreas de proteção ainda não instituídas por ato normativo próprio; e procedimentos administrativos ou manifestações de órgãos públicos que não configurem decisão final com efeitos suspensivos sobre o domínio.

A recusa do registro somente poderá ocorrer se houver uma decisão judicial com efeito suspensivo do domínio pretendido ou publicação de decreto de homologação da terra indígena.

O cartório de registro deverá comunicar o resultado final do processo de ratificação ao Incra, que deverá fazer a atualização do cadastro de ofício. E se for impossível ratificar o registro do imóvel seguindo as regras do projeto, o cartório deverá comunicar ao Incra para que o órgão peça o registro do imóvel em nome da União ou do instituto.

Documentos

O texto aprovado pelos deputados lista os únicos documentos que poderão ser pedidos para ratificação do registro. Além da certidão negativa cível, expedida pela Justiça Federal de primeiro e segundo graus, deverão ser entregues certidões negativas de processo administrativo obtidas junto ao Incra e à Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU).

Também deverá ser apresentado o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), emitido pelo Incra para atestar o cumprimento de sua função social; inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR); e lista do Ministério do Trabalho e Emprego da qual não conste o nome do interessado como empregador que submeteu trabalhadores a condições análogas à escravidão.

 

Vânia Rodrigues

 

 

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Last Update: 11/06/2025