Para o líder do governo, a aprovação do projeto representa uma vitória do país contra a sonegação crônica, e é uma proteção às cadeias produtivas e um resgate da concorrência e igualdade concorrencial
Com o voto favorável do PT, o plenário da Câmara aprovou o projeto de lei complementar (PLP 125/22), do Senado, que cria o Código de Defesa do Contribuinte para organizar direitos e deveres na relação com os Fiscos, reforma procedimentos tributários e estabelece regras mais rígidas para o devedor contumaz. O líder do governo, deputado José Guimarães (PT-CE) afirmou que o projeto aprovado é fundamental para o país e tem grande impacto nas contas públicas. “É uma proposta que combate a sonegação e dá privilégio àqueles que pagam, que contribuem”, afirmou.
Para Guimarães, a aprovação desse texto representa uma vitória do país contra a sonegação crônica, e é uma proteção às cadeias produtivas e um resgate da concorrência e igualdade concorrencial. Ele citou dados da Receita Federal que revelam que o governo deixa de arrecadar à União R$ 200 bilhões por ano. “Se nós conseguirmos pelo menos 10% deste total, já entra no caixa do governo em torno de R$ 10 bilhões. Portanto, é uma vitória para o governo. Nós estamos fazendo algo que é fundamental para o equilíbrio das contas públicas no nosso país”, comemorou.
O líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), reiterou a importância da proposta aprovada, que segue para sanção presidencial. Ele destacou que o ministro Fernando Haddad (Fazenda) considera esse projeto do devedor contumaz uma das prioridades do governo federal. “Nós temos que estimular o bom pagador, o bom contribuinte”, afirmou. O líder destacou ainda que pela primeira vez na história do país se combate o crime organizado do andar de cima, se referindo as recentes operações da Receita Federal para combater a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas.
“Separar o joio do trigo”
O deputado Merlong Solano (PT-PI) enfatizou que o projeto é de interesse da sociedade, do Estado e da economia brasileira. “Um projeto que cria o Código de Defesa do Contribuinte, procurando estabelecer uma relação proativa entre o bom contribuinte e o sistema fiscal, incentivando a conformidade tributária, criando benefícios para o bom contribuinte, inclusive o bônus de adiplência que pode chegar até R$ 1 milhão ou 3% da receita da contribuição social sobre o lucro líquido”, explicou.
De outro lado, acrescentou Merlong, este projeto apresenta o grande benefício de fazer “a separação do joio do trigo, estabelecendo uma clara definição do que é o devedor contumaz, para distingui-lo daquele devedor eventual que, por conta de uma determinada dificuldade num dado momento, atrasa os seus tributos”.
Dívida superior a R$ 15 milhões
O texto também combate a lavagem de dinheiro do crime organizado e tem o mérito de diferenciar o contribuinte em dificuldade financeira daquele que sonega como atividade. Ainda traz programas de conformidade tributária que vai favorecer os bons pagadores, com benefícios como um bônus pelo pagamento em dia dos tributos, que pode chegar a R$ 1 milhão anualmente.
No texto o devedor contumaz é definido, em âmbito federal, como o contribuinte com dívida injustificada, superior a R$ 15 milhões e correspondente a mais de 100% do seu patrimônio conhecido. Em âmbito estadual e municipal, o texto considera como devedor contumaz quem tem dívidas com os fiscos de forma reiterada (por pelo menos quatro períodos de apuração consecutivos ou seis alternados no prazo de 12 meses) e injustificada.
Os valores para a caracterização desse devedor com relação aos fiscos estaduais e municipais serão previstos em legislação própria para esse fim. Caso isso não ocorra, será aplicada a mesma regra prevista para a esfera federal.
Exceções
Para descaracterizar a situação de contumácia, o contribuinte pode alegar a ocorrência de estado de calamidade reconhecido pelo Poder Público; a apuração de resultado negativo no exercício financeiro corrente e no anterior, sem indícios de fraude ou má-fé; e, no caso de execução fiscal, ausência da prática de fraude.
O devedor contumaz não poderá ter benefícios fiscais, participar de licitações e firmar contratos com a administração pública ou propor recuperação judicial. Além disso, poderá ser considerado inapto no cadastro de contribuintes, o que gera diversas restrições à empresa.
Suspensão
O texto aprovado traz, ainda, as regras do processo administrativo para identificação do devedor contumaz. Entre elas está a concessão do prazo de 30 dias a partir da data da notificação para regularizar a sua situação. Dentro desse prazo, o contribuinte poderá apresentar defesa com efeito suspensivo do processo.
A suspensão do processo, no entanto, não poderá ser aplicada em alguns casos, como indícios da criação da empresa para a prática de fraude ou sonegação fiscal, evidências de participação em organização criada para sonegar tributos, venda ou produção de mercadoria ilegal, uso de laranjas e domicílio inexistente.
O texto aprovado também acaba com a regra que possibilitava extinguir a punibilidade no caso de pagamento dos tributos. Assim, o fato de alguém deixar de ser um devedor contumaz não impede que receba as punições previstas no Código Penal para o crime de apropriação indébita.
ANP e Fintechs
Recentes fraudes descobertas pela operação “Carbono Oculto”, da Polícia Federal, também motivaram alterações no relatório. A operação investiga lavagem de dinheiro via fundos de investimentos com o envolvimento de distribuidoras de combustível usadas pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
Uma dessas mudanças confere à Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a competência para estabelecer valores mínimos de capital social, exigir comprovação da licitude dos recursos e identificar o titular efetivo das empresas interessadas. A intenção é inibir a atuação dos chamados “laranjas” e diminuir o risco de apropriação do mercado por organizações criminosas.
Foi inserido também no texto a exigência de que as instituições de pagamento e os participantes de arranjos de pagamentos (fintechs) cumpram as normas e obrigações acessórias definidas em regulamento pelo Poder Executivo. A medida busca ampliar o controle de movimentações financeiras para prevenção à lavagem de dinheiro.
Também defenderam a aprovação do projeto a deputada Erika Kokay (PT-DF) e os deputados petistas Jorge Solla (BA), Alencar Santana (SP) e Bohn Gass (RS).
Regularização de imóveis rurais em áreas de fronteirahttps://www.instagram.com/alencarpt/
Na mesma sessão, com o voto contrário do PT, o plenário aprovou o substitutivo do Senado ao projeto de lei (PL 4497/24), que que reabre por mais 15 anos o prazo para a ratificação de registro imobiliário de imóveis rurais em faixas de fronteira. O texto, que segue para sanção presidencial, prevê ainda procedimentos para a ratificação de imóveis com mais de 2,5 mil hectares por parte do Congresso Nacional, inclusive tacitamente se, em dois anos, o Parlamento não se pronunciar.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) anunciou o voto contrário do partido. “Nos colocamos contrariamente à proposta. O projeto não é bom, mas pior ficou com as alterações do Senado. Amplia a apropriação de terras públicas, flexibilizando ainda mais a exigência para a ratificação dos títulos”, afirmou.
A parlamentar denunciou ainda que o texto retira do Estado brasileiro a possibilidade efetiva de contestar, mesmo quando exista má-fé, por parte daquele que busca para si a terra pública, que, na verdade, pertence a todos os brasileiros e brasileiros. “Em defesa do patrimônio público, da terra pública, em áreas de fronteira — o que é extremamente sério —, estamos buscando que exista regularização, mas jamais a possibilidade de quem use de má-fé retire do Estado brasileiro a possibilidade de contestar beneficiando maus feitos em áreas de fronteira que pode comprometer a nossa soberania”, argumentou.
E o deputado Bohn Gass encaminhou o voto contrário e criticou o texto aprovado. “Pelo projeto, pode haver trabalho escravo, pode agredir o meio ambiente, não precisa cumprir a função social. Trata-se de um simples registro. Não é possível que o Congresso faça esse atentado contra terras que têm que servir para a coletividade!”, protestou.
O projeto, que segue para sanção presidencial, também permite a regularização fundiária de imóveis com mais de 15 módulos fiscais (grandes propriedades) em áreas de fronteira mesmo com processos administrativos em andamento de demarcação de terra indígena com sobreposição de áreas, inclusive de terra indígena tradicionalmente ocupada.
Vânia Rodrigues