Infecções, distúrbios imunológicos e metabólicos podem desencadear doenças mentais, revelando novas conexões entre corpo e mente na psiquiatria moderna


Jessica Huitson tinha apenas 12 anos quando começou a apresentar tiques. Com o tempo, seu quadro piorou, levando a crises generalizadas e hospitalizações frequentes. No entanto, o hospital local em Durham, Inglaterra, descartou suas preocupações, sugerindo que ela sofria de ansiedade e que talvez estivesse passando tempo demais no TikTok. Sua mãe descreveu a experiência como “humilhante”. Anos depois, descobriu-se que Jessica tinha uma condição autoimune desencadeada por uma infecção bacteriana por Streptococcus, conhecida como PANDAS (Transtornos Neuropsiquiátricos Autoimunes Pediátricos Associados ao Streptococcus). Quando a infecção foi tratada, seus sintomas finalmente começaram a melhorar.

Jessica não está sozinha. Evidências mostram que infecções, distúrbios imunológicos e metabólicos podem desencadear condições como transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), tiques, ansiedade, depressão e até psicose. No entanto, psiquiatras raramente investigam essas causas físicas, o que reflete problemas profundos na área.

Impacto no tratamento de doenças mentais

Um entendimento mais amplo desses gatilhos corporais pode revolucionar o tratamento de milhões de pessoas. Por exemplo, mais de 90% dos pacientes com transtorno bipolar têm recaídas ao longo da vida, e 46% das crianças com TOC não alcançam remissão. Cerca de 50-60% dos pacientes com depressão só respondem ao tratamento após tentar vários medicamentos.

Para alguns profissionais, a identificação de biomarcadores biológicos pode levar a diagnósticos mais precisos e tratamentos personalizados. No entanto, a psiquiatria tradicionalmente se concentra na descrição de sintomas, em vez de investigar causas subjacentes. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM), lançado em 1952, trouxe consistência aos diagnósticos, mas agrupou pacientes sem considerar os mecanismos por trás de suas condições.

Falhas em tentativas anteriores

Em 2013, o Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA investiu US$ 20 bilhões em pesquisas para conectar genes a comportamentos, mas a iniciativa falhou. A maioria dos genes identificados tinha efeitos mínimos. Ludger Tebartz van Elst, psiquiatra da Universidade de Freiburg, na Alemanha, explica que condições como esquizofrenia, TDAH, ansiedade e autismo podem ser desencadeadas por uma única desordem genética, como a 22q11.2, causada pela perda de parte do cromossomo 22.

Novos horizontes na psiquiatria

Apesar das dificuldades, uma mudança está em curso. Em 2007, pesquisadores da Universidade da Pensilvânia descobriram que 100 pacientes com sintomas psiquiátricos graves tinham uma doença autoimune que atacava receptores NMDA no cérebro, causando inchaço cerebral e sintomas como paranoia e alucinações.

A condição, chamada encefalite anti-receptor NMDA, é tratável com imunoterapia ou esteroides.

Estudos recentes mostram que até 10% dos pacientes com psicose têm anticorpos que atacam o cérebro. Belinda Lennox, psiquiatra da Universidade de Oxford, descobriu que 6% dos pacientes com psicose têm taxas elevadas de anticorpos no sangue, muitos direcionados aos receptores NMDA.

Ela acredita que esses anticorpos podem atravessar a barreira hematoencefálica e afetar o hipocampo, região cerebral ligada à memória e às alucinações.

Distúrbios metabólicos e saúde mental

Alterações metabólicas também afetam a saúde mental. O cérebro consome muita energia, e distúrbios metabólicos estão ligados a esquizofrenia, transtorno bipolar e depressão.

Na Universidade de Stanford, pacientes são tratados com mudanças na dieta e no estilo de vida, além de medicamentos. A dieta cetogênica, que limita carboidratos e aumenta a produção de cetonas, tem mostrado benefícios em estudos preliminares.

Kirk Nylen, do Baszucki Group, afirma que 13 ensaios clínicos estão em andamento para testar terapias metabólicas em doenças mentais graves. Resultados preliminares mostram melhorias significativas em pacientes que não responderam a tratamentos convencionais.

Tecnologia e inovação

A inteligência artificial (IA) está acelerando descobertas. Em 2023, o UK Biobank revelou que pessoas com depressão têm níveis elevados de proteínas inflamatórias no sangue, o que pode explicar por que alguns pacientes não respondem a antidepressivos. Empresas como a Cognoa usam IA para diagnosticar autismo em crianças, enquanto o Instituto de Biociências Quantitativas da Califórnia mapeou interações proteicas ligadas ao autismo.

Integração entre neurologia e psiquiatria

A divisão entre neurologia e psiquiatria é um obstáculo. Na Alemanha, as duas áreas são mais integradas, com neurologistas e psiquiatras compartilhando treinamento.

Ludger Tebartz van Elst defende exames como ressonância magnética e punção lombar para pacientes com psicose, o que pode custar cerca de €1.000, mas é mais barato que internações prolongadas.

O futuro da psiquiatria

Essas descobertas estão transformando a psiquiatria, oferecendo validação para pacientes como Jessica Huitson, que ainda luta com os efeitos tardios do PANDAS.

Condições como a síndrome da fadiga crônica (ME/CFS), antes descartadas como “gripe yuppie”, agora são reconhecidas como ligadas a disfunções imunológicas e metabólicas.

A biologia está chegando à psiquiatria, trazendo esperança para melhores diagnósticos e tratamentos. Como diz Belinda Lennox, “a questão de um milhão de dólares” é se essas condições são tratáveis. E a resposta pode estar mais próxima do que nunca.

Com informações da revista The Economist*

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Last Update: 11/02/2025