Eduardo Santos, em seu blog

Fazer com que os muito ricos paguem mais impostos, atacar os super salários do funcionalismo público e limitar os benefícios fiscais a empresas que, não raro, drenam recursos que deveriam ser empregados em demandas sociais mais urgentes.

Parte das propostas anunciadas pelo ministro da Fazenda, João Carlos Ferraz, na noite desta quarta (27), têm caráter civilizatório, com potencial para reduzir a bizarra desigualdade do país. E, por isso, o governo deve apanhar mais do que Judas em Sábado de Aleluia daqueles que serão (um pouquinho) prejudicados, mas que contam com muita gente para falar e lutar por eles.

As reclamações não serão devido apenas ao anúncio da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, proposta apresentada em um momento em que o mercado esperava apenas medidas de cortes de gastos diante de um necessário ajuste fiscal e controle inflacionário. Mas porque as sugestões que atingem o andar de cima vão pegar em cheio muita gente graúda, na economia, na política, na imprensa.

A primeira proposta visa a recolher impostos sobre a renda de quem ganha mais de R$ 600 mil por ano (R$ 50 mil/mês) partindo de um mínimo de 10%.

Quem está em um contrato CLT, não precisará se preocupar porque, nessa faixa de valor, já recolhe sob a alíquota de 27,5%. Mas há aqueles que recebem via dividendos de empresas, que são isentos, terão que pagar segundo uma escala progressiva. Na prática, hoje, alguém que ganha milhões em dividendos paga percentualmente menos imposto do que um trabalhador que recebe menos de três salários mínimos.

A essa mudança, damos o nome de justiça tributária. A ideia estava presente nas promessas de campanha de Lula (colocar o rico no Imposto de Renda), e prevista para ser debatida na segunda fase da Reforma Tributária – a primeira, já aprovada pelo Congresso, diz respeito ao consumo. O Poder Executivo havia prometido encaminhar o projeto ainda este ano, e estava devendo, dando justificativa de que havia aprovada a taxação de fundos off-shore e fundos exclusivos.

Lembrando também que isenção de impostos de dividendos foi instituído durante o governo Fernando Henrique Cardoso e nunca revogado. É um dos mais longos “benefícios fiscais” que temos.

A proposta vai encontrar uma pedreira na forma de deputados e senadores que tendem a legislar em causa própria ou de seus parceiros e mecenas. Mas só o fato de ter sido apresentado, já é algo digno de reconhecimento.

Outro ponto da proposta é garantir que os salários de todos os funcionários públicos estejam limitados pelo teto constitucional (hoje em pouco mais de R$ 44 mil, que é o subsídio dos ministros do STF). O problema é que há um rol de penduricalhos, benefícios e afins que permitem que alguém receba bem mais do que isso. E não é pouco a mais não.

Assim como na questão da tributação dos super-ricos, isso vai gerar ranger de dentes e lamúrios de magistrados, procuradores, entre muita gente boa e má. Mas precisa ser encarado de frente.

Outro ponto importante, que será ainda melhor se mais profundo for, é a proibição de criação, ampliação e prorrogação de benefícios tributários em caso de déficit primário (o resultado negativo das contas do governo, excluindo o pagamento de juros da dívida pública).

Benefício fiscal (reduções de impostos, isenções, subsídios) concedido é um gasto público. Se a medida já estivesse valendo, não seria possível prorrogar a desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia – uma vez que, neste ano e no ano passado, tivemos déficit. Vale lembrar que o governo Lula apanhou de empresas e do Congresso por se colocar contra a prorrogação.

Outras medidas poderiam ser adotadas, como limitar as deduções em gastos de saúde no Imposto de Renda Pessoa Física, que beneficiam principalmente as classes média alta e alta. Mas devem ficar de fora.

Para além de reconhecer que o governo teve coragem de pautar mudanças que dizem respeito ao nosso sistema tributário que protege os ricos, defendo a importância de que essas propostas tenham sido apresentadas junto com os cortes de gastos. Até para que a classe trabalhadora não ficasse com o gosto amargo de, novamente, estar pagando sozinha a conta de um ajuste fiscal do país.

Além de limitar a ação da lei Aldir Blanc de incentivo à cultura, o crescimento do montante de emendas parlamentares e aplicar algumas mudanças na aposentadoria dos militares – nada muito profundo, mas o suficiente para os fardados chiarem, como a idade mínima 55 anos, o pacotão que está sendo apresentado pelo governo Lula traz pancadas nos mais pobres.

Entre elas, uma nova regra com um teto para o aumento real do salário mínimo, a redução da quantidade de pessoas que têm acesso ao abono salarial (a ideia é, paulatinamente, deixar de pagá-lo a quem recebe dois salários mínimos por mês, passando para quem ganha 1,5), o combate às exceções judiciais no BPC, a limitação da complementação de recursos que o Estado põe anualmente no Fundo da Educação Básica. E quem depende de educação básica pública é, grosso modo, pobre.

É o mínimo civilizacional não apenas socializar a chicotada fiscal entre pobres e ricos, mas também avançar para uma sociedade com o mínimo de justiça social. Se as medidas que atingem o andar de cima vão ou não passar no Congresso, isso é outra história. Mas, ao menos, estamos discutindo questões estruturantes que há décadas precisávamos debater.

É um assunto bem melhor do que anistia a golpistas ou proibir o aborto em crianças grávidas após estupradas, pautas centrais de um triste setor do parlamento.

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Last Update: 28/11/2024