Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o ex-juiz Márlon Reis classifica como “grave retrocesso” a articulação de bolsonaristas e líderes do Centrão no Congresso para enfraquecer a pena de inelegibilidade de políticos, medida que ele considera um dos principais instrumentos de combate à corrupção eleitoral.
“Espero que haja uma reação popular contra essas iniciativas”, diz Reis a CartaCapital. “A aprovação dessas propostas prejudica diretamente a qualidade da nossa democracia. Se não houver uma resposta firme da sociedade, poderemos abrir espaço para retrocessos muito custosos ao País.”
O plano envolve a aprovação de uma proposta do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) apresentada um mês após a Justiça Eleitoral sentenciar Jair Bolsonaro (PL) a oito anos longe das urnas. Ele foi condenado pela realização de uma reunião com embaixadores para disseminar mentiras sobre o sistema eleitoral, em 2022.
O objetivo do texto é, essencialmente, permitir o retorno do ex-capitão às eleições, reduzindo de oito para dois anos o prazo de inelegibilidade resultante de condenações por abuso de poder ou corrupção eleitoral, contando a partir da data das eleições em que ocorreu a infração. Se aprovada, a proposta permitiria que Bolsonaro recuperasse sua elegibilidade já a tempo de concorrer em 2026.
Na justificativa de seu projeto, Bibo Nunes diz que “a inelegibilidade por dois anos seguintes ao pleito é uma sanção mais do que suficiente”. A matéria está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, com relatoria do deputado Filipe Barros (PL-PR), outro bolsonarista.
A investida ocorre num momento em que a proposta de anistia aos golpistas do 8 de Janeiro, também de interesse bolsonarista, voltou à estaca zero após a criação de uma comissão especial pelo então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Para Márlon Reis, reduzir o período de inelegibilidade teria “impacto profundamente negativo” e abriria caminho para que condenados por crimes como abuso de poder ou corrupção retornem rapidamente à política, minando a credibilidade das eleições e a confiança popular nas instituições democráticas. Segundo o ex-juiz, trata-se de uma ofensiva “sistemática” contra mecanismos de controle e punição.
“Ao reduzir drasticamente esse período, estaríamos fragilizando um dos principais mecanismos de combate à corrupção eleitoral e permitindo que figuras com histórico de irregularidades retornem ao poder sem cumprir uma punição adequada“, completa.
O projeto que originou a Lei da Ficha Limpa foi capitaneado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, então liderado por Reis. A lei impede a candidatura de políticos condenados por decisão colegiada, mesmo que ainda caiba recurso. Antes dela, a inelegibilidade durava apenas três anos.
Uma outra proposta que mexe na legislação já passou pela Câmara e está em análise no Senado. De autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ) — filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha —, ela altera o tempo de inelegibilidade: atualmente, um político inelegível não pode disputar eleições durante o restante do mandato em curso e mais oito anos após o fim dessa legislatura. Já pelo texto de Dani Cunha, o período de inelegibilidade ficaria unificado em oito anos, contados a partir da data da condenação, da eleição em que ocorreu o abuso ou da renúncia ao cargo eletivo.