As mulheres enfrentam violências em todos os segmentos da sociedade, e agora, o ambiente jurídico, que deveria ser isento e proteger as vítimas, também não é imune ao machismo e à misoginia.
A deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) apresentou o Projeto de Lei 1433/24 que busca alterar o Código Penal para tipificar “a violência processual de gênero, definida como expor ou questionar injustificadamente, em processo judicial ou administrativo, a mulher vítima de violência por razões da condição de sexo feminino sobre suas vestimentas, comportamento sexual ou qualquer outro aspecto relacionado a estereótipos de gênero, com a intenção de gerar humilhação ou exposição pública.”
A proposta também altera o Código de Processo Penal para prever que, em caso de utilização de materiais ou teses atentatórias à dignidade da mulher, buscando vantagem processual em estereótipos de gênero, seja falando da vestimenta, do comportamento ou qualquer ação motivada por menosprezo ou discriminação à condição da mulher, o juiz determinará a perda do direito ao questionamento presencial da vítima.
A violência processual de gênero e o sofrimento psicológico decorrente, agravada pela exploração midiática desses casos, acaba por desincentivar o acesso ao Poder Judiciário por mulheres, especialmente em casos de crimes contra a dignidade sexual. O processo judicial, na prática, as revitimiza, e o desamparo do Poder Judiciário se traduz em impunidade.
Caso Mariana Ferrer
No ano passado, a jornalista Schirlei Alves apresentou uma reportagem que expôs as ofensas e humilhações sofridas pela influenciada digital Mariana Ferrer durante uma audiência de instrução em que ela participava na condição de vítima. A matéria revelou que o julgamento do influenciador apresentou uma absurda tese inédita de ‘estupro culposo’ e o advogado humilhando jovem, com a defesa do réu usando fotos sensuais da jovem para questionar acusação de estupro.
A partir deste caso, foi criado a Lei Mari Ferrer, que objetivamente coibir a prática de atos atentados à dignidade da vítima e de testemunhas e para estabelecer causa de aumento de pena no crime de coação no curso do processo.
A Agência Câmara também revelou que o Conselho Nacional de Justiça reconheceu a necessidade de amadurecimento institucional do Poder Judiciário, com a criação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero (CNJ, 2021).
A deputada petista comentou que “este regramento foi criado e publicado irá construir uma cultura jurídica emancipatória, concretizando a função jurisdicional de ‘não reprodução de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos.”
Prima facie
Não é apenas no Brasil que o Judiciário se mostra tendencioso ao julgar casos de violência sexual e crimes contra mulheres. O velho ditado ‘a vida imita a arte’ levou a escritora e advogada australiana Suzie Miller a produzir o livro Prima Facie, expressão do latim que significa “à primeira vista”.
A obra surgiu a peça homônima que rodou o mundo, e conta a história de uma advogada criminalista vítima de estupro. Os papéis no processo são alterados quando ela sofre uma violência e se torna testemunha e vítima, que passa a rever valores e a questionar o sistema judicial. De tão impactante, a montagem, que foi protagonizada pela atriz inglesa Jodie Comer, ajudou a mudar as leis britânicas de abuso sexual. No Brasil, o monólogo é encenado pela atriz Débora Falabella.
Tramitação
O PL de Maria do Rosário será analisado pelas comissões de Defesa dos Direitos da Mulher, de Constituição e Justiça e Cidadania e pelo Plenário da Câmara. Em caso de aprovação, será encaminhado para a análise do Senado. Se aprovado no Congresso, seguirá para sanção do presidente Lula.
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