Ainda não foi suficientemente levantado o desastre provocado no país pela Lava Jato. Recentemente, a Transpetro abriu um edital para a construção de navios de médio calado. Apenas um estaleiro nacional se habilitou, o do Rio Grande do Sul, e apenas para uma embarcação.
Nos Estados Unidos, a legislação para estaleiros e cabotagem marítima é bastante rigorosa e protecionista, centrada principalmente no Jones Act (Merchant Marine Act de 1920), além de normas adicionais reguladas por agências como o Coast Guard (Guarda Costeira) e o Maritime Administration (MARAD). A seguir, explico os pontos centrais.
A legislação sobre cabotagem prevê exclusividade para navios americanos: apenas embarcações construídas nos EUA, de propriedade de cidadãos americanos e com tripulação americana podem operar na cabotagem entre portos do país.
- Construção em estaleiros nacionais: Os navios que operam cabotagem devem obrigatoriamente ser construídos em estaleiros situados nos Estados Unidos.
- Tripulação: Deve ser composta por cidadãos ou residentes permanentes dos EUA.
- Manutenção da indústria naval: O objetivo do Jones Act é preservar a indústria naval e a segurança nacional, garantindo que os EUA tenham capacidade de construção e operação marítima em caso de guerra ou emergência.
🌐 COMPARATIVO INTERNACIONAL – POLÍTICAS PARA ESTALEIROS E CABOTAGEM
🇰🇷
Coreia do Sul
– Potência global em construção naval
- Política industrial estratégica: Desde os anos 1970, o governo coreano identificou a construção naval como setor estratégico.
- Subsídios diretos e crédito barato: Empresas como Hyundai Heavy e Daewoo receberam crédito direcionado e apoio à exportação.
- Clusters tecnológicos: Grandes estaleiros foram integrados a parques industriais e tecnológicos, com forte investimento em P&D.
- Exportação é o foco: A cabotagem não é o foco principal; o país é voltado à construção de grandes embarcações de uso global (porta-contêineres, navios tanque, GNL).
- Financiamento: Banco de Exportação e Importação da Coreia (KEXIM) atua como motor financeiro do setor.
🇳🇴
Noruega
– Eficiência, inovação e sustentabilidade
- Enfoque em nichos de alto valor agregado: Em vez de competir com China ou Coreia em escala, a Noruega especializou-se em embarcações sofisticadas (offshore, ferries elétricos, navios pesqueiros de alta tecnologia).
- Apoio à inovação verde: Fortes subsídios e exigências ambientais fizeram da Noruega líder em navios elétricos, híbridos e com baixa emissão.
- Subsídios cruzados e fundos ambientais: Parte do frete e da cabotagem é subsidiada com fundos de sustentabilidade.
- Cabotagem com acesso regulado: Há incentivos à cabotagem, mas com concorrência aberta dentro do Espaço Econômico Europeu.
🇨🇳
China
– Domínio global com apoio estatal
- Estaleiros estatais e privados com subsídio massivo: O governo chinês controla direta ou indiretamente os principais estaleiros, oferecendo subsídios ocultos (crédito, terrenos, impostos).
- Plano Made in China 2025: A construção naval é parte central dessa estratégia.
- Capacidade instalada gigantesca: Lidera em número de navios entregues, com forte ênfase em exportação.
- Frota de cabotagem nacional: Grande, mas com uso misto de empresas públicas e privadas. A legislação é relativamente fechada a navios estrangeiros.
🇪🇺
União Europeia (modelo misto)
- Cabotagem livre entre países da UE: Não há restrições entre embarcações de bandeira europeia.
- Subsídios limitados e controlados por normas da concorrência: A UE proíbe subsídios diretos aos estaleiros, mas permite incentivos para “inovação verde”, transição energética e empregos locais.
- Foco ambiental: Muitos recursos vão para modernização ambiental da frota (redução de emissões, GNL, eletrificação de portos).
- Exemplo da França e Itália: Têm estaleiros competitivos em navios militares, de cruzeiro e ferries, com apoio indireto via compras públicas e P&D.
🇧🇷
Brasil (comparado)
- Modelo oscilante: Em alguns períodos (como durante o PAC e o pré-sal), houve estímulo forte à indústria naval. Em outros, políticas foram desmontadas.
- Fundo da Marinha Mercante (FMM): Instrumento central, mas depende do orçamento da União e da articulação política.
- Estaleiros com baixa produtividade e pouca inovação: Apesar de alguma capacidade instalada, falta investimento tecnológico e constância de encomendas.
- Cabotagem ainda pouco competitiva: O BR do Mar tenta atrair mais operadores e reduzir custos, mas a falta de escala dificulta.
🧩 INSIGHTS E LIÇÕES PARA O BRASIL
- Do modelo coreano: Foco estratégico de longo prazo, clusterização e financiamento direcionado podem ser adaptados.
- Do modelo norueguês: O Brasil poderia desenvolver nichos (como embarcações fluviais sustentáveis ou apoio offshore) com mais inovação e menor escala.
- Do modelo europeu: Investimento em inovação verde e modernização da frota poderia impulsionar o setor via incentivos ambientais.
Do modelo chinês: Seria difícil replicar devido à diferença de regime político e escala estatal, mas reforça a importância do papel do Estado como comprador e planejador.
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