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As novas políticas industriais têm focado nos setores de ponta, buscando aproveitar as vantagens competitivas brasileiras na energia limpa, terras raras entre outras. Todos são setores que exigirão esforços em pesquisas e automação. E, em geral, são setores exterminadores de empregos.
Tome-se o caso do agronegócio. Os avanços tecnológicos tem melhorado o salário médio, mas reduzido o número de trabalhadores. Daí a importância de se focar em setores geradores de emprego, e de criar conselhos para estudar o papel das pequenas empresas nas novas políticas industriais.
Na geração de empregos, um setor essencial é o calçadista. Temos uma produção anual de 830 milhões de pares, 260 mil empregos diretos, 5.500 empresas, a maioria de pequeno porte, e um faturamento anual estimado em R$40 bilhões. Globalmente, o Brasil é o 4º maior produtor de calçados, atrás apenas da China, Índia e Vietnã.
Mas exporta pouco. O mercado interno absorve cerca de 80% da produção nacional. Existe alta demanda por calçados populares, especialmente de material sintético e sandálias. É preciso, aliás, analisar os efeitos da cartelização do mercado, em mãos de grandes frigoríficos, sobre a oferta e produção de calçados de couro.

O Brasil exporta cerca de 130 milhões de pares por ano, no valor de US$1,2 bilhão, a um preço médio de US$9,20 o par. O principal mercado para o calçado brasileiro é os Estados Unidos, com 18% das exportações, seguido da Argentina, França, Paraguai e Bolívia.
Nas exportações, a parte maior é de calçados de menor valor agregado, como sandálias e chinelos de PVC. Segmentos de couro de maior valor, como calçados masculinos, enfrentam maior concorrência de países asiáticos e europeus.
As principais vulnerabilidades dos calçados brasileiros são:
- Custo Brasil, especialmente na infraestrutura deficiente.
- Concorrência internacional – perda de competitividade frente ao Vietnã, China e Indonésia.
- Política cambial instável – impacta os custos de importação e as margens de exportação.
- Informalidade – parte da produção nacional opera fora das normas trabalhistas e fiscais.
- Defasagem tecnológica – especialmente entre pequenos produtores e oficinas terceirizadas.
Oportunidades
Especialistas apontam boas oportunidades que surgem para o setor.
Uma delas é o nearshoring – marcas internacionais buscando fornecedores mais próximos dos Estados Unidos e da Europa, podendo beneficiar os produtores brasileiros frente à Ásia.
Outra tendência relevante é a moda sustentável, com uso de materiais recicláveis, rastreabilidade e produção limpa. Também tem havido crescimento de empresas que investem em design e marcas próprias. E a Indústria 4.0 e automação já são utilizados em grandes grupos, como Grendene, Calçados Bibi e Arezzo.
O mercado mundial
O maior produtor global é a China, com 13 bilhões de pares por ano, 60% do total. Em seguida, o Vietnã, respondendo por 10% do mercado global. Na sequência vem a Indonésia, com 3% a 5% de participação global. Embora sendo o 4º maior produtor global, o Brasil é apenas o 11º entre os exportadores.
Mas, ao mesmo tempo, o Brasil tem se tornado grande importador de sapatos. Em 2024, importou 35,8 milhões de pares, por US$477 milhões, crescimento de 26% em volume e 7,9% em valor em relação a 2023.

O maior fornecedor é o Vietnã, com 11,9 milhões de pares, seguido pela China (9,8 milhões) e Indonésia (6,8 milhões)
Fator determinante é o câmbio. Cada vez que o câmbio se desvaloriza, aumenta a competitividade do sapato brasileiro exportado, mas aumentam os custos de insumos importados. E vice-versa.
Especialmente definem várias recomendações estratégicas para o país:
- uso de hedge cambial, que permita às empresas cobrir parte de suas receitas e custos, mitigando riscos;
- aprofundar contratos indexados, com pactos de longo prazo com cláusulas de revisão cambial;
- incentivar a substituição de insumos importados por fornecedores nacionais;
- reduzir custo Brasil na logística e no custo fiscal;
- aproveitar janelas cambiais.
Política para o setor
Pedi para a Inteligência Artificial vasculhar as propostas de política industrial existentes e consolidar em um plano nacional.
Política Nacional de Desenvolvimento da Indústria de Calçados (PNDIC)
Objetivos estratégicos
- Reposicionar o Brasil como exportador relevante no mercado global.
- Elevar o valor agregado, o design e a marca da indústria calçadista nacional.
- Defender a produção nacional frente à concorrência desleal.
- Promover sustentabilidade, inovação e inclusão produtiva.
1. Pilar Produtivo-Industrial
Ações:
- Crédito industrial direcionado via BNDES/Desenvolve SP para:
- Modernização de maquinário (Indústria 4.0).
- Automação de linhas de produção.
- Linha especial para pequenas fábricas e oficinas de calçados nos polos tradicionais.
- Programa “Máquina Verde” para troca de equipamentos por tecnologias de menor emissão e menor consumo energético.
- Desoneração tributária parcial para equipamentos nacionais destinados à produção calçadista.
- Criação de um selo “Made in Brazil Premium” para calçados com materiais locais e rastreabilidade.
2. Pilar Exportador e Cambial
Ações:
- Reforço do programa Brazilian Footwear, com metas de penetração em mercados prioritários (EUA, Europa, Oriente Médio).
- Criação de seguro e hedge cambial subsidiado via bancos públicos para empresas exportadoras.
- Acordos bilaterais para redução de tarifas de importação em países parceiros (Mercosul, UE, Oriente Médio, África).
- Incentivo à abertura de lojas conceito internacionais com apoio da Apex Brasil e Embaixadas.
3. Pilar de Defesa Comercial e Regulatória
Ações:
- Aumento da fiscalização contra subfaturamento e dumping, especialmente de calçados da Ásia.
- Sistema de alerta rápido de importações predatórias (monitoramento em tempo real).
- Estudo técnico do MDIC para adoção de tarifas antidumping específicas, com base nos custos de produção asiáticos.
- Incentivo ao uso de regras de origem e conformidade técnica como barreiras não tarifárias (qualidade, sustentabilidade, saúde laboral).

4. Pilar de Capacitação, Marca e Design
Ações:
- Redesenho dos cursos técnicos e tecnológicos de moda e calçados nos institutos federais (IFs).
- Parceria com Sebrae/Senai para:
- Formação em gestão, marketing digital e e-commerce;
- Oficinas de design e branding internacional;
- Apoio a startups de moda calçadista.
- Subvenções para o desenvolvimento de coleções com identidade regional, por meio de editais criativos.
- Criação de núcleos regionais de Inteligência de Moda e Tendências, conectados a instituições internacionais.
5. Pilar de Sustentabilidade e ESG
Ações:
- Criação de linhas verdes de crédito para calçados com insumos recicláveis, biodegradáveis ou de baixo carbono.
- Selo “Calçado Sustentável Brasil”, com rastreabilidade, certificação de fornecedores e critérios sociais.
- Apoio à certificação internacional (ISO, FSC, OEKO-TEX) para elevar o valor percebido internacionalmente.
6. Governança e Monitoramento
Propostas:
- Conselho Nacional da Indústria de Calçados (CONICAL), com membros do governo, setor privado e trabalhadores.
- Painel público online com indicadores mensais de:
- Exportações, importações, produção, emprego, sustentabilidade.
- Avaliação trienal da política com metas revisadas.
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