Em um momento de preocupante escassez de professores na educação básica brasileira, o Ministério da Educação (MEC) anunciou o programa Mais Professores, uma iniciativa voltada para estimular a formação e a atuação docente no país. O programa oferece bolsas que variam entre R$ 1.050 e R$ 2.100, destinadas a estudantes de licenciatura e professores dispostos a atuar em regiões remotas.

A medida busca combater os impactos da falta de profissionais na educação básica, um problema que se agrava diante das altas taxas de evasão nos cursos de licenciatura. Segundo o Censo da Educação Superior de 2022, 58% dos estudantes abandonam esses cursos antes da conclusão.

O programa Mais Professores é visto por todos como um avanço ao enfrentar a crise de formação e fixação de docentes em áreas remotas. No entanto, especialistas e lideranças educacionais, consultadas pelo Portal Vermelho, concordam que, para assegurar o impacto positivo a longo prazo, é indispensável complementar a iniciativa com políticas estruturais que promovam a valorização e a dignidade da carreira docente.

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A educadora Madalena Guasco Peixoto

Para Madalena Guasco Peixoto, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP, o programa é um passo significativo, mas não resolve os problemas estruturais da educação brasileira. “O Mais Professores valoriza o trabalho docente ao oferecer incentivos financeiros, especialmente para professores que atuam em áreas remotas. Entretanto, a solução para a crise exige mais do que isso. É essencial uma carreira sólida, melhores salários e condições de trabalho dignas”, afirmou.

Outro ponto levantado por Madalena é a necessidade de conciliar as iniciativas federais com a autonomia dos estados. “Somos uma federação, e programas educacionais dependem da adesão dos estados, que muitas vezes não participam devido às contrapartidas exigidas ou por motivos políticos e ideológicos. Entretanto, o Mais Professores é diferente, pois coloca o aluno como protagonista ao se inscrever diretamente via SISU, o que facilita a implementação.”

Madalena também destacou a escassez de docentes em disciplinas como matemática, física e química, que afeta tanto centros urbanos quanto áreas rurais e comunidades indígenas. Ela elogiou medidas como a supervisão dos estágios práticos e a regulamentação dos cursos de Ensino a Distância (EAD) pelo governo federal, que considera essenciais para garantir formação de qualidade.

“O governo federal está trabalhando para regular esses cursos, com iniciativas como a aplicação obrigatória do Enade anualmente para licenciaturas e a supervisão de estágios práticos por professores da educação básica. Essas medidas são cruciais para garantir que o diploma de licenciatura represente uma formação de qualidade.”

Um compromisso com a valorização docente

Claudio Fonseca, presidente do Sinpeem

Claudio Fonseca, presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), elogiou o programa, mas reforçou a necessidade de condições mais amplas para a atratividade da carreira docente. “Os baixos salários são apenas parte do problema. A rotina exaustiva, as jornadas longas e a falta de respeito social tornam a profissão pouco atraente”, destacou. Embora os baixos salários sejam um fator crítico, Fonseca enfatiza que a ênfase exclusiva nessa questão pode mascarar problemas estruturais mais profundos.

“Há uma rotina extenuante! Jornadas longas, excesso de atribuições, e o crescente descrédito social enfrentado pelos professores os expõe a agressões, violências, assédio moral e adoecimento psíquico”, destacou Fonseca.

Fonseca criticou a proliferação de contratos temporários e terceirizações, que, segundo ele, prejudicam a dignidade da carreira e desestimulam novos ingressantes. Para ele, a solução está em concursos públicos regulares e na valorização dos direitos dos profissionais. Ele alerta que esses ataques aos direitos profissionais são um “permanente ataque vampiresco” às conquistas obtidas ao longo de anos de luta e mobilização da categoria.

Avanços e complementações necessárias

Déborah Irineu representa os professores da rede pública da Bahia

Déborah Irineu, diretora da APLB Sindicato na Bahia, afirmou que o programa é estratégico para atrair mais estudantes a cursos de licenciatura, especialmente em áreas com altas taxas de evasão. “O programa Mais Professores é uma iniciativa importante, pois traz ações que podem impactar positivamente a formação de professores. Medidas como o incentivo financeiro durante a graduação e a pós-graduação são estratégicas para atrair mais estudantes aos cursos de licenciatura, especialmente em áreas críticas, como física, matemática e química, que enfrentam altas taxas de evasão”.

No entanto, a professora baiana defendeu que seja complementado com políticas estruturais, como a realização de concursos públicos, cumprir o piso salarial e a melhoria das condições de trabalho. “Atrair novos professores é fundamental, mas é igualmente importante reter e valorizar os que já estão em sala de aula”, disse.

Rui Oliveira, coordenador geral da APLB Sindicato, reforçou a importância da estabilidade no emprego e da redução das jornadas exaustivas. “A luta pela valorização dos professores é antiga e atravessa décadas de mobilização sindical. O programa traz avanços, mas precisa de medidas complementares para garantir dignidade e condições de trabalho. Nenhum estudante quer seguir a carreira de professor porque não tem atrativo nenhum”, afirmou.

“Essa ação do presidente Lula de colocar na ordem do dia esse projeto traz à tona o debate sobre a nossa valorização. Muitos professores trabalham em condições muito ruins, principalmente nas redes municipais”, destacou.

O coordenador criticou a falta de cumprimento da lei do piso salarial por prefeitos e governadores. “Hoje, o professor com um piso salarial de R$ 4.600 e poucos não consegue vislumbrar nada. Primeiro porque 91% dos prefeitos e governadores não pagam. Ludibriam, não cumprem a lei do piso. Isso se reflete até com os aposentados, muitos deles na Bahia ganhando abaixo do piso.”

Outro ponto destacado por Rui Oliveira é a sobrecarga de trabalho enfrentada pelos professores. “Um professor de 40 horas tem a obrigação de dar, no mínimo, 26 aulas. Vai pegar 26 turmas com 40 ou 45 alunos. É impossível, você nem faz a chamada, nem sabe quem é quem. Isso torna essencial reduzir a jornada de trabalho em 50%.”

A importância de políticas estruturais

Francisca da Rocha Seixas, dirigente da Apeoesp

Para Francisca da Rocha Seixas, diretora da Apeoesp, o programa é um avanço, mas ainda é insuficiente para enfrentar os desafios da categoria. “Muito apropriado o programa Mais Professores para o Brasil, do governo Lula, porque todo mundo sabe das imensas dificuldades que as professoras e os professores enfrentam para manter a educação em pé. Os ataques são sucessivos. Muitos governadores e prefeitos não dão o valor necessário para os investimentos em educação”, afirmou Francisca.

Embora reconheça os méritos da iniciativa, a diretora sublinha que o programa precisa ir além. “Formar novos professores é importante, mas precisamos valorizar os que já estão na carreira. Isso inclui planos de carreira decentes, melhores salários e condições de trabalho adequadas. São quesitos fundamentais porque a juventude não quer mais abraçar a carreira do magistério devido às dificuldades que aumentam a cada ano”, ressaltou.

Francisca defendeu a democratização das gestões escolares e a criação de um sistema de ingresso único nas universidades para o magistério, como forma de aumentar a atratividade da profissão. “Sem professoras e professores, não há educação de qualidade. Este programa acende o debate sobre a valorização da educação, mas é apenas o início”, concluiu.

Para os especialistas e representantes da categoria, reverter o atual cenário requer mais do que medidas pontuais. Todos ressaltaram a necessidade de um compromisso coletivo para transformar a realidade educacional do país. Isso passa pela mobilização da sociedade civil e pela vontade política de priorizar a educação como base para o desenvolvimento nacional.

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Last Update: 15/01/2025