No dia 12 de março, o governo Lula publicou a Medida Provisória 1292/2025, que cria o programa de crédito consignado para trabalhadores em regime de contratação celetista. A medida, que foi celebrada pelas centrais sindicais, exceto a CSP-Conlutas, faz parte de uma política de Lula para tentar aumentar a capacidade de consumo e reverter o derretimento de sua popularidade, relacionada principalmente à carestia dos alimentos.

O programa consiste basicamente na possibilidade de os trabalhadores, em regime celetista, realizarem empréstimos com desconto de pagamento diretamente da folha salarial (assim como se desconta o valor do imposto de renda e do pagamento ao INSS). Essa modalidade de empréstimo pode consumir, nas parcelas, até 35% do salário do trabalhador, que também pode oferecer como garantia 10% do saldo do FGTS e 100% do valor das verbas rescisórias em caso de demissão sem justa causa. O processo de contratação do empréstimo vai ser mediado pelo aplicativo da carteira de trabalho digital do Governo Federal.

Hoje, essa modalidade já existe para trabalhadores celetistas, mas só pode ser realizada mediante convênio entre a empresa e uma instituição financeira, e tem parcela insignificante do ramo do microcrédito. Essa modalidade representa hoje menos de 10% do que representa o empréstimo consignado para servidores públicos, cerca de R$ 400 milhões em 2024.

Um presente aos bancos, disfarçado de benefício aos trabalhadores

Depois do anúncio do governo, não há dúvida de que grande parte dos trabalhadores possam encarar com bons olhos essa política, que para muitos vai ser uma alternativa concreta para tentar sair do aperto financeiro, diante da carestia ou para tentar amortizar outras dívidas com juros exorbitantes.

O governo prevê que, diante da possibilidade quase nula de calote nessa modalidade de crédito, os juros que hoje ultrapassam 100% ao ano devem cair pela metade (entre 40% a 50% ao ano). Juros ainda são altíssimos, muito superior ao que o governo garante aos empresários do agronegócio, principal responsável pela emissão de gases de efeito estufa no Brasil, através do Plano Safra, cujos juros giram na faixa entre 8% a 12% ao ano. Juros muito superiores aos praticados pelo BNDES para grandes empresas, que estão na faixa de 8% ao ano.

A previsão da FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos) é que nos próximos 2 anos, essa modalidade de empréstimo consignado aos celetistas deve envolver o montante de R$ 120 bilhões e alcançar até 19 milhões de pessoas, quase a metade da força de trabalho com carteira assinada.

O “crédito do trabalhador”, como Lula apelidou esse programa, vai garantir aos bancos quase 13 vezes mais faturamento sobre essa modalidade de crédito do que há hoje, que está em cerca de R$ 4,5 bilhões ao ano, somando o setor público e privado. Mesmo que os juros se “reduzam” pela metade, Lula está entregando aos bancos 13 vezes mais recursos do que existe hoje nessa modalidade. Recursos que serão tirados diretamente do salário dos trabalhadores para engordar o lucro dos bancos.

Isso não deixa dúvida de que o grande beneficiário deste programa serão os bancos e não os trabalhadores. Os trabalhadores que hoje já estão superendividados, vão permanecer nesse ciclo de endividamento. Dados da CNC (Confederação Nacional do Comércio) apontam que 78% dos lares brasileiros possuem dívidas e quase 35% dos lares estão em situação de inadimplência, um crescimento de 12% em 2024. Além do mais, como essa modalidade de crédito vai usar o FGTS e a rescisão como garantias, os trabalhadores que forem demitidos terão ainda mais dificuldade financeira, porque terão uma redução drástica dos valores que podem sustentá-los até conseguir um novo emprego.

Diante desse quadro de superendividamento e inadimplência, boa parte do crédito desse programa deve ser usado pelos trabalhadores para quitar outras dívidas com os bancos. Ou seja, os bancos vão ganhar de forma duplicada com esse programa.

A experiência do crédito consignado aos servidores, aposentados e pensionistas: fraude, juros altos e superendividamento

Desde 2004, a modalidade do crédito consignado é realizada para servidores públicos, aposentados e pensionistas do INSS. Diante da possibilidade baixíssima de não pagamento com esse modelo, as instituições financeiras têm uma política agressiva de oferta de empréstimos para esses setores.

Os relatos e processos judiciais mostram que é comum os empréstimos serem concedidos sem autorização dos trabalhadores; As financeiras usam serviços de telemarketing para assediar intensivamente as pessoas para fazê-las contrair o empréstimo; Vários grupos criminosos se especializaram em aplicar golpes através do mecanismo do crédito consignado; E, essa modalidade de crédito é um dos grandes responsáveis pelo ciclo de superendividamento de servidores, aposentados e pensionistas, praticando juros altos, com taxas próximas de outras modalidades de microcrédito e cobranças abusivas.

Dados do CNJ mostram que no Distrito Federal, em 2023, por exemplo, foram abertos mais de 8 mil processos relacionados ao crédito consignado, cujo teor é principalmente sobre fraudes, cobranças abusivas e problemas com a margem consignável.

Expansão do crédito não muda a situação da classe trabalhadora

O governo Lula vê sua popularidade derreter e minar as chances de uma reeleição. Por isso, aposta bastante que esse programa de crédito consignado pode ser uma saída para movimentar a economia, aumentar a capacidade de consumo da classe trabalhadora e assim tentar reverter o desgaste que o governo acumula.

Não é a primeira vez que Lula aposta na expansão do crédito como principal ferramenta para tentar aumentar a capacidade de consumo dos trabalhadores e tentar auferir ganhos políticos com isso. Mas, a experiência com os servidores e aposentados mostra que, no médio e longo prazo, esse processo de endividamento sufoca o orçamento das famílias e cria um ciclo de endividamento que corroi a renda dos trabalhadores.

O governo opta por, na prática, beneficiar ainda mais os bancos com essa medida ao invés de atacar os lucros dos grandes empresários para melhorar a renda dos trabalhadores. O governo aposta na expansão do crédito, mas não aplica uma política consistente de valorização do salário mínimo, que está ainda mais limitado pelo arcabouço fiscal. Não aplica uma política para acabar com a escala 6×1, reduzindo a jornada de trabalho, que pode ampliar as vagas de emprego e ampliar a renda do conjunto da classe.

A política de expansão do microcrédito de Lula, coloca o lucro dos bancos acima dos interesses da classe trabalhadora. Lula poderia usar os bancos públicos para garantir crédito a juros zero aos trabalhadores, com prazos e condições bastante flexíveis. Hoje o governo concede ao agronegócio e às grandes empresas juros reais próximos a zero, através do Plano Safra e do BNDES e uma política de isenção fiscal que garante quase R$ 600 bilhões a esses setores empresariais, que pagam pouquíssimos impostos.

Enquanto não existe a taxação de grandes fortunas, lucros e dividendos são isentos de qualquer tributação, os trabalhadores sofrem com a carga tributária sobre o consumo e com imposto de renda. Mas, o dinheiro dos impostos, que são arrancados basicamente da classe trabalhadora, ao invés de garantir serviços públicos de qualidade, é destinado para servir ao esquema fraudulento da dívida pública e garantir crédito subsidiado aos grandes empresários.

A expansão do crédito, através do consignado aos celetistas, não vai garantir a melhoria da condições de vida da classe trabalhadora e menos ainda resolver o problema da carestia dos alimentos. É preciso denunciar essa política do governo Lula. Porém, as centrais sindicais (CUT, CTB, Força Sindical, NCST, UGT, CSB, CESP, PÚBLICA, INTERSINDICAL-CCT), com exceção da CSP-Conlutas, compareceram em peso na atividade de lançamento e apresentam esse programa como uma grande conquista da classe trabalhadora sob o governo Lula. Cumprem o vergonhoso papel de serem o porta-voz do governo no movimento sindical.

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Last Update: 18/03/2025