A luta dos professores por seus direitos e pela qualidade na educação, que já não é uma tarefa fácil, torna-se ainda mais complexa quando a categoria precisa lidar com governantes de direita. Neste caso, as dificuldades negociais vão além dos problemas orçamentários e dos embates naturais entre base e oposição, passando para a esfera da falta de diálogo e do autoritarismo.
Servidores da educação de duas importantes capitais do país, São Paulo e Salvador, têm vivenciado esse processo e tentado, num fino equilíbrio de forças, negociar melhores condições de trabalho e salário junto a gestões avessas a essa natureza de pauta.
No caso de São Paulo, governada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), aliado de Bolsonaro, a paralisação — que abarcou professores e demais servidores municipais — teve início no dia 15 de abril e terminou no dia 6, após assembleia da categoria.
A cidade conta com a maior rede municipal do país, composta por 4 mil unidades, 92 mil servidores (dos quais 34 mil são professores) e mais de uma milhão de alunos.
Considerando as circunstâncias, o resultado foi considerado positivo, conforme avaliação do presidente do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), Cláudio Fonseca.
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“Diante da resistência do governo, da falta de diálogo, do autoritarismo, no final a greve teve um desfecho que eu considero positivo para os servidores públicos. Primeiro, porque a prefeitura teve que reconhecer o direito de greve. Segundo, porque conseguimos o pagamento de todos os dias de paralisações regionais, que foram oito, mais os dias de manifestação e os dias de greve até o dia 6”, explicou.
Fonseca apontou, ainda, que a categoria pressionou para que o governo desistisse da ação judicial, recurso usado pela primeira vez na história pela administração pública paulistana contra os servidores em luta. “Mas, acabamos conseguindo um acordo para que a prefeitura apresente um pedido de desistência da ação. Para nós, o julgamento do mérito teria uma repercussão negativa não só agora, mas também porque geraria, na categoria, o temor de aderir a uma paralisação futuramente”, argumenta.
A ação movida pela prefeitura pedia que a greve fosse considerada abusiva e que o sindicato pagasse R$ 10 mil por dia de paralisação e, em caso de descumprimento e continuidade da greve, R$ 1 milhão para o sindicato promotor.
Para Fonseca, a medida visava quebrar a representação sindical, além de demonstrar o caráter antidemocrático do prefeito, ao ignorar o direito constitucional à greve. “Enfrentamos um processo autoritário, com pouca disposição para o diálogo e para a negociação”, salienta. Ele lembra que antes de iniciar a paralisação, a categoria realizou protestos e buscou dialogar com a prefeitura, mas, sem sucesso, acabou por decretar a greve.
Além do recuo jurídico, os trabalhadores conseguiram a garantia do pagamento dos dias parados, a retomada das atividades do grupo de trabalho sobre saúde mental dos servidores e o pagamento do Prêmio de Desempenho Profissional, cuja primeira parcela será em agosto.
À revelia dos interesses da categoria, no entanto, a Câmara Municipal aprovou um reajuste bastante aquém do necessário para repor as perdas dos últimos anos. Para tanto, os trabalhadores reivindicavam 44%. Mas o percentual aprovado pelos vereadores foi de 2,60% para o conjunto do funcionalismo, retroativo a 1º de maio, e 6,27% sobre os pisos remuneratórios dos docentes da categoria 1 (ensino médio). Outros 2,55% serão aplicados aos padrões de vencimentos
dos servidores apenas em maio de 2026.
Salvador em luta

Também na capital baiana, os professores municipais travam uma luta intensa para a garantia de seus direitos. A categoria reivindica o cumprimento do piso nacional, que não é pago há 17 anos, o que levou a uma defasagem de 58% — enquanto isso, a prefeitura ofereceu 4%, parcelados em duas vezes.
Como não houve avanços por parte da prefeitura — comandada por Bruno Reis (União Brasil) —, no dia 6 os professores decidiram, em assembleia, deflagrar a paralisação.
Segundo o APLB-Sincato, entidade que representa a categoria, durante reunião ocorrida no terceiro dia de greve, “a gestão municipal reafirmou que não existe a possibilidade de pagamento do piso de uma só vez, nas condições atuais, e sinalizou a possibilidade de avanço na pauta de reivindicações”. Uma nova reunião deverá acontecer nos próximos dias.
“A prefeitura de Salvador desrespeita abertamente uma conquista legal e fundamental para a categoria. A proposta apresentada é inaceitável. No entanto, não se trata só de números, mas de respeito, de reconhecimento, de cumprimento da lei e de sobrevivência para muitos”, explica Déborah Irineu, diretora de Imprensa da APLB-Sindicato.
“A gente quer mais do que um reajuste, a gente quer a valorização profissional, estrutura das escolas, educação verdadeiramente inclusiva, climatização nas salas de aula e o respeito à carreira docente, com um plano de carreira ajustado. A gente está falando de uma das maiores redes municipais de ensino do país, e ela não pode continuar sendo tratada com esse descaso, com um certo improviso”, acrescenta.
A rede municipal de Salvador é composta por 415 escolas — incluindo creches, pré-escolas e ensino fundamental I e II —, mais de 8,2 mil professores e atende mais de 131 mil estudantes.
Débora destaca que ao longo desse processo, “os professores têm feito manifestações massivas e consistentes em pontos estratégicos da cidade, nas estações, nas principais vias, nos bairros, dialogando diretamente com a população”.
Isso porque, ressalta, “a gente sabe o impacto que a greve tem, principalmente para as mães trabalhadoras que dependem da escola pública como suporte para o cuidado com os seus filhos. Reforçamos que não estamos nas ruas por egoísmo ou vaidade, mas porque é necessário. Temos a responsabilidade de mostrar que a educação em Salvador está sendo empurrada para a precariedade”.
Débora explica que “tem sido extremamente difícil lidar com o prefeito, que se alinha ao bolsonarismo e governa para o empresariado, não para o povo. O Bruno Reis não recebeu o sindicato, não prioriza o diálogo e tenta deslegitimar o nosso movimento, inclusive apresentando ação na Justiça de ilegalidade da greve”.
Apesar disso, o movimento não se intimida. “Esta é uma gestão que desmonta políticas públicas enquanto fortalece os interesses privados. Com a greve, estamos dizendo que Salvador não está à venda e que a educação pública não pode ser tratada como um problema a ser empurrado para debaixo do tapete”, conclui Débora.