O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), sancionou a Lei nº 22.006/24, que prevê a gestão de 204 das 2.090 escolas públicas estaduais por empresas privadas. O Programa Parceiro da Escola surpreendeu profissionais da educação do estado, sendo aprovado em menos de 10 dias pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e sem debate prévio com a categoria.

No estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já anunciou que, em novembro de 2024, vai lançar um leilão para a construção e gestão de 33 escolas estaduais por empresas privadas. Em 2022, o estado de Minas Gerais entregou tanto a gestão administrativa e pedagógica de três escolas a uma entidade sem fins lucrativos.

A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, Monica Ribeiro, considera que a ampliação do setor privado empresarial nas escolas públicas é uma tendência no âmbito nacional. “Nos últimos 20 anos, observamos um crescimento da presença do setor empresarial para fazer assessorias e programas educacionais”. No entanto, para Monica, agora há uma nova modalidade. “Se antes as empresas buscavam apenas recursos públicos para exercer o seu trabalho de forma privada, inclusive, lucrando com isso, agora não fazem apenas programas ou assessorias esporádicas, mas a gestão propriamente dita da escola”.

“Plataformização” do ensino

O livro “Educação para o futuro: o passo a passo para construir uma gestão educacional focada em resultados” lançado pelo ex-secretário da Educação do Paraná (2019 a 2022) e atual de São Paulo, Renato Feder, promete levar o leitor ao modelo de educação que fez o Paraná chegar ao primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2021. No Instagram do secretário, uma postagem sobre o livro reúne comentários de indignação entre paulistanos e paranaenses.

Foto: Secretaria de Educação de São Paulo

Feder é acionista e ex-CEO da Multilaser (empresa do setor de eletrônicos e informática). Sua gestão no Paraná foi marcada pela implementação de recursos digitais em sala de aula e pela controvérsia sobre os métodos utilizados para alavancar o estado do sétimo ao primeiro lugar no Ideb.

A “plataformização” do ensino também foi de autoria de Feder no Paraná. “O Feder e o Ratinho Júnior criaram vários outros mecanismos de “plataformização”, como os “quizzes”, que são questionários para os alunos responderem pelo celular, para contar como nota na prova, por exemplo”, relata Monica. A professora alerta que esses aplicativos roubam a autonomia dos professores no planejamento e tentam padronizar as aulas, não considerando as diversidades e desigualdades entre as escolas.

Já em seu atual mandato em São Paulo, o ex-secretário do Paraná decidiu elevar a “plataformização” a outro patamar: abolindo livros didáticos. Renato Feder anunciou, em julho de 2023, que as escolas estaduais paulistas contariam apenas com livros digitais a partir do 5º ano do Ensino Fundamental.

Apesar de o Paraná não ter anunciado o fim dos livros didáticos, as plataformas de ensino digitais são amplamente utilizadas nas escolas estaduais. “A cobrança pela utilização dessas plataformas têm adoecido nossos professores. Primeiro, porque os conteúdos já vêm prontos, inclusive, vêm informações erradas e erros gramaticais”, alerta Daniel.

A melhora do aprendizado dos alunos pela utilização do material digital não é observada por Monica e Daniel. “Em relação às plataformas, nós fizemos uma pesquisa, em 2023, sobre o uso das plataformas e constatamos que não há acréscimo de aprendizado pelo uso das plataformas”, informa Daniel.

Prejuízos para a educação

O governo do Paraná espera que a lei seja colocada em prática no início do ano que vem. No entanto, desde 2023, duas escolas já participam de um projeto-piloto. Monica alerta que esse novo modelo de gestão pode crescer em todo país, se não for feito algo para impedir isso.

A entrega da gestão de uma escola para a iniciativa privada pode permitir o lucro, de acordo com a lei aprovada no Paraná, que prevê o pagamento de R$ 800,00 por aluno para a empresa. “Então, o que ele [o governador] está organizando nesse projeto? Pagar pelo menos 800 reais por matrícula para as escolas. Por exemplo, uma empresa que pega uma escola com aproximadamente 1.000 alunos matriculados, estaria arrecadando do Governo do Estado do Paraná 800.000 reais por mês. Isso, sem colocar um tijolo, sem organizar uma pintura de sala de aula, sem cortar um mato ao redor da escola”, destaca Daniel.

Outra questão colocada por Monica sobre o pagamento às empresas é que o governo vai retirar os recursos dos 25% constitucionais (de suas receitas) que é obrigado a investir em Educação. “Ou seja, a escola vai ficar no prejuízo, porque o dinheiro que seria destinado a ela, vai para uma empresa”. Ela também ressalta que os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não poderão ser dirigidos para essas entidades.

A resistência ao projeto é grande, tanto no Paraná quanto em Minas Gerais. Em Minas Gerais, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT) pediu a impugnação dos editais de privatização e agendou uma audiência na Assembleia Legislativa para discutir a legalidade do processo.

No Paraná, a oposição ao governo tentou estabelecer um diálogo para o recuo do projeto. No dia 3 de junho, cerca de 20 mil pessoas foram à Assembleia Legislativa em ato público para se manifestar e algumas pessoas passaram a noite ocupando o local. Além disso, o APP Sindicato deflagrou greve.

A justificativa para tamanha truculência, como Daniel aponta, é que a greve seria ilegal. Tendo a liminar pela suspensão da greve aprovada pela PGE-PR, o governo exigiu uma multa diária de R$10 mil. Mesmo assim, Daniel conta que o sindicato apresentou um plano de trabalho para que, pelo menos, 30% das escolas estivessem funcionando, pois, a educação é considerada um serviço essencial na Constituição Estadual do Paraná. A greve foi finalizada no terceiro dia, em 5 de junho, um dia após a aprovação da lei.

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Última Atualização: 24/07/2024