Às vésperas do fechamento desta edição, o Procurador Geral da República (PGR), Paulo Gonet, finalmente apresentou sua denúncia contra Bolsonaro. Trata-se de um relatório, com base na investigação da Polícia Federal, com 276 páginas, narrando a tentativa de golpe de Estado encabeçada por Bolsonaro e a cúpula das Forças Armadas. Dentre os crimes elencados estão a tentativa de golpe de Estado e participação em organização criminosa.
A denúncia se baseia não só em delação premiada, mas num conjunto robusto de provas, como documentos, planilhas, áudios interceptados ou recuperados, além de depoimentos. Consta até mesmo um discurso já pronto para ser proferido por Bolsonaro logo após seu sonhado golpe. Mostra ainda a relação entre o ataque às urnas eletrônicas, os bloqueios de estradas (financiados por políticos da ultradireita e empresários), os acampamentos nos quarteis até o fatídico 8 de janeiro, no contexto da tentativa de se tomar o poder e, na prática, se instaurar uma ditadura no país.
Revés para o bolsonarismo
Se a denúncia, em si, não traz elementos qualitativamente novos, já que hoje se sabe que até mesmo foi planejado o assassinato de Lula, Alckmin e do ministro Alexandre de Moraes, por outro lado representa mais um revés ao bolsonarismo. Isso porque estava se gestando uma nova tentativa de encaminhar um projeto de anistia aos golpistas. Com a denúncia, que com certeza será aceita pelo Supremo Tribunal Federal (STF), essa perspectiva fica mais distante, embora não descartada.
A denúncia enfraquece, por hora, o bolsonarismo, mas não está garantida a punição aos golpistas. Muito pelo contrário, o recém-eleito presidente da Câmara, Hugo Motta, apoiado por Lula, relativizou a tentativa de golpe e chegou a defender anistia a golpistas. Mais uma demonstração de que não se deve confiar nas instituições dessa democracia dos ricos sequer para punir quem tentou suplantá-la. A classe trabalhadora não pode ter nenhuma confiança no governo Lula, no Congresso Nacional, ou na própria Justiça para garantir nenhuma anistia a golpista. O próprio relatório de Gonet, por exemplo, omitiu figurões das Forças Armadas da denúncia.
É preciso reforçar a exigência de nenhuma anistia a golpista, investigação e prisão de todos os golpistas, e nenhuma confiança de que as instituições desse regime dos ricos farão isso.
Há perigo na esquina
Extrema direita continua viva, surfando a crise e o desgaste do governo Lula
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Brasília (DF) 11/02/2025 O vice-presidente Geraldo Alckmin, o presidente da Câmara, Hugo Motta, o Presidente Luiz Inácio Lula Da Silva, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, na abertura do Encontro de Novos Prefeitos e Prefeitas Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
A denúncia contra Bolsonaro foi recebida por entusiasmo por amplos setores do ativismo e da população. É um sentimento mais do que justificado, já que estamos falando de um perverso genocida que colocou o país à beira de uma ditadura, e que já deveria estar atrás das grades. Porém, é preciso dizer a verdade: se o bolsonarismo sofreu um revés, a extrema direita continua muito bem, obrigada, surfando na baixa popularidade do governo Lula, causada por uma política econômica que joga nas costas da classe trabalhadora os efeitos da crise.
Vejamos, o governo Lula até agora, de forma surpreendente até mesmo para quem já não nutre nenhuma ilusão em seu governo, mantém José Múcio à frente da Defesa. Um nome ligado ao bolsonarismo e que defende a anistia abertamente aos golpistas. Não se enfrenta com a cúpula militar que tentou destituí-lo e, mais ainda, aposta na aproximação com a direita, e setores da ultradireita, para escapar da atual crise que enfrenta.
A política econômica do governo Lula, por sua vez, joga cada vez mais os setores mais pobres da classe trabalhadora para o colo da ultradireita. Vejamos, enquanto a popularidade de Lula cai no menor nível de sua carreira de presidente, o governador de extrema direita Tarcísio de Freitas, um facínora que não pensa em outra coisa que não matar o maior número de pobres e negros, e privatizar tudo, é aprovado por 61% da população paulista.
Neste quadro, setores da esquerda repetem que “Lula é o único que pode nos salvar da ultradireita”. Um argumento sem o menor sentido, já que é o próprio governo Lula que, se desmoralizando cada vez mais com medidas de ataques aos mais pobres, joga água no moinho desta corja e pavimenta o caminho para a volta da ultradireita.
O combate consequente, e até o fim, à extrema direita, passa necessariamente pela derrota do programa neoliberal do governo Lula, e o combate ao capitalismo, que, em sua crise, aprofunda a barbárie e as condições sócio-econômicas que a possibilitam crescer e prosperar, como cogumelos no esterco.