A morte, aos 96 anos, do ex-ministro da ditadura e um dos signatários do famigerado AI-5, Delfim Netto, foi sucedida por calorosas homenagens por Lula e seu governo.

“O professor Antônio Delfim Netto merece respeito por ter se dedicado ao progresso econômico brasileiro”, escreveu o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Já Lula divulgou uma nota ainda mais vergonhosa, afirmando que fez várias “críticas” ao ex-ministro no decorrer de sua vida pública, para, logo após, emendar: “Pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos”.

Delfim Netto iniciou sua vida pública na Secretaria da Fazenda do governo paulista que sucedeu o governo Adhemar de Barros, cassado pela ditadura. Mas foi à frente do Ministério da Fazenda do ditador Arthur da Costa e Silva que ganhou notabilidade. Foi neste mesmo governo que participou da articulação e assinatura do Ato Institucional número 5, que recrudesceu a repressão e fechou ainda mais o regime. Não só participou, como considerava que o AI-5 era ainda muito “insuficiente”.

Recentemente, afirmou diversas vezes não ter qualquer arrependimento da assinatura do AI-5 ou de sua participação em um governo ditatorial que perseguiu, assassinou e torturou opositores. “Eu voltaria a assinar o AI-5. Eu tenho dito isso sempre”, disse ao Portal Uol já em 2021. Sempre negou que tivesse conhecimento das torturas na época, argumentando que a ditadura contava com uma separação das áreas militares e econômicas, mas pesquisa do jornalista Elio Gaspari revela que ele não só sabia muito bem do que ocorria nos cárceres do regime militar, como participou ativamente do financiamento da repressão, através da Oban (Operação Bandeirantes), passando a “caixinha” entre os empresários paulistas.

À frente da condução da economia do país na ditadura, Delfim Netto foi responsável pela imposição de um modelo de concentração de renda e subordinação às multinacionais e ao capital estrangeiro às custas da superexploração e arrocho da classe trabalhadora. “É preciso fazer o bolo crescer para, só depois, dividi-lo” foi uma frase que entrou para a história que, embora ele sempre negasse a autoria, expressa bem o que pensava. Esse é o seu “modelo desenvolvimentista” reivindicado pelo governo Lula e outros setores da esquerda. Ficou conhecido ainda pela falsificação dos índices de inflação em pleno período do arrocho.

Finda a ditadura, tornou-se uma espécie de conselheiro econômico de praticamente todos os governos da Nova República, de Sarney a Dilma Rousseff. Em 2011, provocou polêmica ao afirmar, num programa de entrevistas na TV que “a empregada doméstica, infelizmente, não existe mais. Quem teve este animal, teve. Quem não teve, nunca mais vai ter”. Mostrou que carregou, até os últimos anos, uma visão elitista, preconceituosa e de ódio aos pobres.

É simplesmente vergonhoso que o governo Lula e setores da esquerda, assim como qualquer um que se coloque contra a ditadura e seus crimes, reivindiquem uma figura burguesa capitalista tão nefasta quanto Delfim Netto. Não há nada ali que se salve: participou da ditadura, financiou a repressão e a tortura, e implementou uma política econômica a favor dos bilionários e das multinacionais, e morreu, lamentavelmente, de velhice sem pagar por seus crimes.

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Última Atualização: 12/08/2024