Faltando cinco meses para o fim de seu mandato à frente do Banco Central, Roberto Campos Neto mantém a agenda típica de alguém em transição de carreira. Em meio aos debates sobre uma proposta de mudança constitucional que altera a estrutura do BC e a debates acalorados sobre política monetária e inflação, tira férias, vai a eventos, participa de palestras, concede entrevistas e se reúne com opositores do governo.
Com uma agenda que faria inveja ao mais aguerrido usuário do LinkedIn, ele é presença constante em fóruns globais e compromissos internacionais. De acordo com a agenda de autoridades, neste ano ele trabalhou em gabinete apenas 113 dias, participando de 35 eventos, concedendo sete entrevistas e realizando nove viagens internacionais.
Para dançar o jogo na política, é preciso escolher um parceiro de pista, e isso, Campos Neto, aparentemente, já fez.
Muitos amigos
Se há algo que movimenta a política são os relacionamentos. Encontros podem revelar afinidades e divergências. Campos Neto terá, no total, um mandato de praticamente seis anos, ou 70 meses. No período da gestão Bolsonaro, teve encontros praticamente mensais com o ex-capitão: foram 52 encontros em 48 meses. Já no governo Lula, em 19 meses, houve apenas um encontro com o petista.
Efeito Lula
Em meio às críticas do governo e do presidente Lula ao Banco Central e a Campos Neto, a discussão sobre a autonomia da instituição voltou à tona. Na prática, a autonomia do BC já existia, em certa medida, desde o Plano Real, mas foi institucionalizada no governo Bolsonaro, o que desagrada os governistas.
A insatisfação decorre da falta de controle sobre o presidente do BC e suas ações. Além disso, no modelo atual, o mandato do presidente do Banco Central não coincide com o do presidente do Brasil, o que gera descontentamento. Um detalhe pouco falado é que, com a legislação atual, o presidente do BC também não pode ser convocado pelo Congresso e não precisa prestar contas à Casa que confirmou sua indicação.
A verdadeira questão em jogo, contudo, são os juros. Atualmente, a taxa do Brasil é uma das mais altas do mundo, superada por poucos países. Até a ilha de Madagascar tem uma taxa ligeiramente menor. Vale citar que, em 2021, 90% da população de Madagascar vivia com cerca de U$1 por dia, ou pouco mais de 160 reais por mês.
O número é 65
Apesar das declarações do presidente Lula defendendo o fim da autonomia, a proposta mais contundente até o momento é a PEC 65 de 2023. Em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, ela transforma o Banco Central, hoje uma autarquia, em uma empresa pública. A PEC tem causado dores de cabeça ao líder do governo, o senador Jaques Wagner, devido às discussões e à crescente pressão dentro do Senado. Enquanto isso, parlamentares da base governista acusam Campos Neto de orquestrar uma operação política para apoiar a proposta.
Encampada por 46 senadores – bem acima do mínimo necessário de 27 –, a PEC conta com o apoio majoritário de grupos de oposição. O argumento principal é que, sendo empresa pública, os funcionários teriam a oportunidade de ter plano de carreira e o Banco Central poderia desenvolver suas atividades sem constrangimentos financeiros. Valorização de salários, contudo, se resolve com política salarial, não com autonomia financeira.
Agenda seletiva
Analisando as reuniões de 2024, a agenda de Campos Neto mostra reuniões registradas com apenas cinco senadores, todos com poder de influência sobre a PEC 65: Rodrigo Pacheco, presidente do Senado; Ciro Nogueira (PP/PI), crítico ferrenho do governo Lula; Carlos Portinho (PL/RJ), líder do PL no Senado; e Davi Alcolumbre (UNIÃO/AP), duas vezes, signatário da PEC e presidente da CCJ.