Por Ana Silva
Entre as estradas de barro do sertão de Alagoas, uma casa se destaca das outras, logo na altura dos olhos, ao lado da porta de entrada principal: uma bandeira do MST pintada a mão. Essa simbologia reflete o amor da luta pela terra de Cícero Toinho, Dona Neuza e sua família, assentados no assentamento Frei Damião, município de Inhapi, em Alagoas.
“Eu me lembro como se fosse hoje, aquele ônibus lotado de gente de vermelho, para ocupar essas fazendas e permitir que o povo trabalhasse nelas sem ser escravizado. Não demorou para eu me tornar uma dessas!”, conta seu Cícero com o olho brilhando ao falar do processo de ocupação das terras improdutivas da região.
Assim como outras histórias de trabalhadores do campo, a de Dona Neuza e Cícero Toinho não é diferente. Sua família trabalhava há gerações nas grandes propriedades de terra, levando uma vida sem dignidade e oportunidades. Foi a luta pela terra que transformou a vida dessa família, podendo de fato cultivar o seu sustento e liberdade, sem amarras coloniais.
Atualmente, a família se dedica a produzir diversas culturas, que somente é possível por conta do acesso à água através dos poços conquistados na região. Macaxeira, batata, milho, feijão e jerimum são algumas delas. A principal beleza nisso tudo é a presença de sementes crioulas, que representam um patrimônio vivo que resiste às adversidades climáticas e ao avanço das monoculturas industriais do grande capital.
Há mais de 4 gerações, são preservadas e passadas de entre pais e filhos. Essas sementes, adaptadas ao solo e ao clima do sertão, são em sua maior materialidade a base da produção agroecológica, que sustenta a família e fortalece a luta pela Reforma Agrária no assentamento. Dona Neuza relembra com orgulho essa história ao contar que “no terreiro ainda tem a primeira casa de taipa, desde o tempo dos barracos. Desde o começo, sabíamos que só através da luta poderíamos criar um futuro melhor para nossos filhos e netos. Tudo isso que construímos aqui me alegra muito.”
Além da produção das culturas da terra, o lote da família também é marcado pela presença dos animais. Criação de bodes, porcos, galinhas, abelhas, bois e vacas contribuem para complementar a geração de renda. Toda essa conexão produtiva, fortalece a subsistência da família na área.
Em mais um ano, a tradição de Dona Neuza e Cícero Toinho na produção de alimentos saudáveis irá para além do assentamento Frei Damião. A família pretende marcar presença na 23ª Feira da Reforma Agrária, que ocorrerá em Maceió, entre os dias 4 e 7 de setembro. Levando para a Praça da Faculdade a riqueza da produção sem veneno de seu lote, compartilhando com toda a sociedade o sabor do milho, macaxeira, feijão, abóbora e mel de qualidade.
*Editado por Solange Engelmann