Termina esta semana o prazo para a assinatura do contrato de dragagem do Porto de Belém. A obra, que aumentará a profundidade da Baía do Guajará, é crucial para a Conferência Anual da Organização das Nações Unidas sobre Clima, cuja edição de 2025 será sediada na capital paraense. Com o porto dragado, navios-cruzeiros poderão atracar, ampliando a oferta de hospedagem aos participantes do evento.
A hospedagem é um dos maiores desafios na preparação para a Conferência. Brasília teme que possíveis falhas respinguem na imagem do presidente Lula. Mas ele não é o único com algo a ganhar ou perder. O governador do Pará, Helder Barbalho, também tem.
Nos bastidores do poder, comenta-se abertamente que o governador quer ser vice na chapa de Lula em 2026. “Helder é extremamente ambicioso. Por aqui, fala-se muito que ele quer ser candidato a vice, e a Conferência é fundamental nesse plano”, diz um adversário local. A ambição do governador já chegou ao radar do presidente do PSB, Carlos Siqueira, partido do atual vice, Geraldo Alckmin.
A Conferência Anual da ONU sobre Clima deve atrair 50 mil pessoas. Embora menor que a Conferência Anual da ONU sobre Clima realizada em Baku, que registrou 70 mil participantes, e bem abaixo do recorde da Conferência Anual da ONU sobre Clima em Dubai, com 83 mil, a previsão preocupa. Belém tem um déficit de 32 mil leitos. A rede hoteleira oferece 17,7 mil, enquanto dois navios-cruzeiros somarão 4,5 mil camas ao total. Outros planos incluem transformar escolas em hostels e mobilizar plataformas como Airbnb, que já conta com 15 mil imóveis cadastrados.
As soluções não param por aí: vilas militares e tendas também estão no horizonte. Mas será suficiente?
E a logística aeroviária? A Base Aérea de Belém passa por reformas para quadruplicar a capacidade de voos oficiais. Durante a conferência, aeronaves de chefes de Estado devem estacionar em aeroportos regionais para desafogar o terminal da capital, segundo a Casa Civil. Na Polícia Federal, férias foram vetadas para garantir mobilização total para a segurança das autoridades.
O Aeroporto Internacional de Belém recebe 25 milhões de reais em melhorias, conforme informações do Ministério do Turismo. A pasta aposta no Círio de Nazaré, que atraiu 400 mil passageiros este ano, como prova de que o terminal dará conta da demanda.
Para minimizar o trânsito, o governo estadual adotará teletrabalho no funcionalismo público e suspenderá aulas em escolas públicas e privadas durante a Conferência. Também há polêmicas obras viárias. A ampliação da Rua da Marinha, na área central, foi embargada por falta de licença ambiental, mas a decisão acabou revertida pelo Tribunal de Justiça do estado. Outra obra controversa é a da Avenida Liberdade, via que atravessa uma área de proteção ambiental que fica a um quilômetro de um território quilombola. A obra foi autorizada em junho. Em outubro, uma comunidade ribeirinha ocupou e paralisou a obra em protesto.
Esses impasses têm provocado inquietação entre especialistas e agentes envolvidos na preparação. Um empresário do setor logístico confidenciou ter ouvido do secretário Nacional de Infraestrutura, Carlos Henrique Menezes Sobral, preocupações sobre o evento. “A solução seria mudar o local [do evento] ou então dividir a sede com outras cidades”, afirma.
Se a logística da Conferência é complexa, a política é ainda mais. “Todas as iniciativas relacionadas à Conferência têm de passar pelo Helder”, diz um político paraense a respeito da relação de Barbalho com o ministro Celso Sabino, do Turismo – que, embora também paraense como ele, não tem tido protagonismo nos preparativos para o evento.
“Helder tem um grau de controle da política e da máquina pública sem precedentes no Pará”, emenda um ex-colaborador de Edmilson Rodrigues, do PSOL, que amarga uma brusca queda de popularidade após enfrentar crises como a coleta de lixo. Além disso, vereadores teriam dificultado sua gestão, em parte por influência de Helder, que, dizem, cultivava alianças jogando futebol com políticos locais. Derrotado com apenas 9% dos votos, perdeu o cargo para Igor Normando, primo do governador.
A influência dos Barbalho corre pelo sangue. A esposa do governador, Daniela Barbalho, foi nomeada conselheira do Tribunal de Contas do Estado. Dois outros primos ocupam cargos no Tribunal de Justiça e são cotados para o Tribunal de Contas do Município. O irmão de Helder, Jader Filho, é ministro das Cidades no governo Lula. E, claro, o pai, Jader Barbalho, continua a ser figura emblemática no Senado. A família controla ainda um jornal, uma emissora de tevê e uma rádio AM no estado.
O clã também foi capaz de enfrentar e afastar um promotor incômodo para Helder: Gilberto Martins, ex-procurador-geral de Justiça do Pará. Durante a pandemia, Martins investigou autoridades paraenses por suspeita de fraudes na compra de respiradores e chegou a pedir o afastamento do governador e o bloqueio de seus bens.
Helder, contudo, não apenas sobreviveu no posto como consolidou sua influência. Reelegeu-se em 2022 com 70% dos votos e viu seu patrimônio saltar de 3,2 milhões de reais, em 2018, para 18,7 milhões, graças, em grande parte, a um rebanho de 6.176 cabeças de gado – inexistente no informe entregue por ele quatro anos antes à Justiça Eleitoral.
Mas nem tudo é unanimidade. Daniel Santos, prefeito de Ananindeua, rompeu com Helder e foi reeleito com impressionantes 83% dos votos. Agora, articula-se no PSB, partido de Alckmin, como possível desafiante ao clã Barbalho em 2026.
Os planos de Helder Barbalho também não coincidem com o que vai pela cabeça do presidente do MDB, o deputado paulista Baleia Rossi, mais inclinado a alianças no Sudeste, após se aproximar do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Também há dentro do partido quem não esqueça que, na eleição de 2022, Helder apoiou Simone Tebet ao invés de Lula. E que, no governo Dilma, continuou a ser ministro, embora em outra pasta, após o impeachment que levou Michel Temer ao poder.