O artigo Anistia é mais uma tentativa de golpe, publicado pelo deputado federal Reimont Otoni (PT-RJ) no Brasil 247, expressa a guinada direitista que acomete setores da esquerda. Ao longo do texto, o autor constrói uma fantasia que visa justificar o endurecimento da repressão estatal contra manifestações políticas, utilizando-se da Polícia Federal (PF) como fonte legítima para suas acusações, o que em si já é um problema político grave para quem viu essa instituição praticando tiro ao alvo com retratos da ex-presidenta Dilma Rousseff, ou viu a política da PF em ação na operação golpista Lava Jato. Passando uma borracha no passado recente, Otoni diz:

“A esdrúxula proposta de anistiar os que conspiram e atuam para derrubar o governo eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem cheiro, cara e rabo comprido de mais uma tentativa de golpe.”

Essa frase resume a política do autor: ele toma como pressuposto que houve uma conspiração organizada para destituir o governo eleito e, com base nisso, nega qualquer possibilidade de anistia. O problema é que ele nunca demonstra concretamente que essa conspiração de fato ocorreu, tampouco que aqueles que participaram das manifestações do 8 de janeiro cometeram crimes que justifiquem sua prisão prolongada.

A argumentação do autor se sustenta em uma série de suposições. Ele afirma que os acampamentos montados em frente aos quartéis foram parte de um golpe em andamento, mesmo que os acampamentos não sejam nenhum crime. Afirma ainda que a movimentação de figuras do governo Bolsonaro comprova um plano subversivo e que a PF reuniu provas irrefutáveis de um grande esquema golpista.

Ocorre que o simples fato de pessoas se reunirem e discutirem seja lá o que for não constitui crime. Se houvesse um planejamento concreto para tomar o poder por vias inconstitucionais, ele deveria ter se materializado em algo mais do que conversas, reuniões e velhinhos defecando em uma manifestação.

A PF, tomada pelo autor como fonte imparcial e técnica, não é uma instituição neutra. Pelo contrário, a guerra em Gaza demonstrou como a instituição atua inteiramente sob diretrizes do imperialismo, sendo um braço operacional das políticas norte-americanas no Brasil. O governo Lula, por mais que esteja no poder formalmente, não tem qualquer controle sobre ela, que obedece rigorosamente às ordens vindas dos EUA.

O autor alega que houve um plano para assassinar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes. Tal afirmação aparece no texto sem qualquer detalhamento sobre provas concretas, confiando cegamente no que foi apurado pela PF.

Até o momento, tudo o que se tem são ilações, conversas de WhatsApp e reuniões. Essa histeria é utilizada para justificar uma repressão arbitrária que, no fundo, visa disciplinar não só os bolsonaristas, mas qualquer movimento que saia do controle do regime político atual.

Fato é que Bolsonaro e toda a cúpula do Exército poderiam dormir todos os dias sonhando em um novo golpe militar. Poderiam trocar figurinhas constantemente sobre seus desejos e planos. Poderiam até mesmo pôr no papel estes anseios. Mesmo assim, não há crime cometido, pois pensar e falar não é crime.

Além disso, o artigo de Reimont comete um erro histórico grave ao apresentar o golpe de 1964 como resultado da ação isolada de militares golpistas que não foram punidos a tempo. “A História nos ensina”, diz o autor, mas a sua leitura da história mostra que ele não aprendeu nada. O golpe de 64 não foi fruto apenas de generais conspiradores, mas da ação coordenada da burguesia imperialista, com objetivo de destruir o nacionalismo brasileiro e a Revolução de 1930, garantindo ainda que o País se submetesse completamente aos interesses do capital estrangeiro e interrompesse o surto de industrialização iniciada após a revolução.

A versão apresentada pelo deputado desvia o foco desse elemento essencial, sugerindo que o problema foi apenas a falta de punição a determinados indivíduos, e não a dominação do Brasil pelo imperialismo.  Esse erro não é meramente acadêmico, mas tem implicações políticas diretas.

Ao reduzir os golpes e as ditaduras a ações de militares isolados, o autor evita discutir o papel da burguesia e, acima disso, do imperialismo na imposição de regimes autoritários. Na conjuntura atual, ainda não é necessário recorrer a tanques nas ruas, a Justiça e a PF dispõem da confiança do imperialismo para manter sua ditadura contra o País. O uso da Polícia Federal como instrumento para aterrorizar a extrema direita é parte desse processo, sendo uma maneira de disciplinar o bolsonarismo, mantendo-o sob controle, enquanto o regime segue servindo aos interesses do grande capital.

O autor encerra seu texto com a afirmação de que não pode haver anistia para os “golpistas”. No fundo, o que ele defende é o verdadeiro golpe, representado pelo aumento da repressão contra manifestações políticas. Ele exige penas severas para indivíduos que, concretamente, participaram de um ato mais radicalizado. Esse é o golpe que está sendo perpetrado contra os direitos democráticos do povo brasileiro, de se manifestar livremente, o que é particularmente ameaçador para a esquerda.

Se o campo representante dos trabalhadores embarcar nessa política, estará apenas pavimentando o caminho para que as ferramentas da repressão se voltem contra ele e com uma intensidade imensuravelmente maior.

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Last Update: 15/02/2025