O clima de especulação permanente contra o real, as pressões altistas decorrentes da elevação do dólar e pesquisas que apontam, pela primeira vez, um índice de reprovação do governo Lula acima de 50% ligaram os alarmes em Brasília para as dificuldades de controle da inflação, absolutamente crucial no ano decisivo que se avizinha. A última edição do levantamento Focus, do Banco Central, indica uma expectativa de aumento na variação de preços em 2025 pela sexta semana consecutiva, para 4,34%, e da projeção para 2026 pela quarta semana consecutiva, para 3,78%. A continuidade das altas nas estimativas dos agentes do mercado deve aproximar no curto prazo as projeções para 2026 da meta de inflação.
Não está fácil. As incertezas no mercado internacional, em especial em relação à política econômica do governo de Donald Trump e a intensificação da guerra comercial entre Estados Unidos e China, tendem a aumentar a volatilidade do mercado cambial. Além disso, os conflitos armados entre Ucrânia e Rússia e no Oriente Médio podem afetar negativamente a estabilidade econômica global, complicando a gestão da política monetária no Brasil. Outro problema significativo é a intensificação de eventos climáticos extremos, tanto no Brasil quanto no mundo, com potencial para elevar os preços dos alimentos e reduzir a eficácia da taxa de juros como instrumento de controle da inflação, concordam vários economistas.
Há outros problemas. A incerteza do mercado em relação à condução da política fiscal pelo governo federal pode desancorar as expectativas de inflação, observa o economista Rafael Ribeiro, professor do Cedeplar–UFMG. Se os agentes econômicos perderem a confiança na capacidade do governo de controlar os preços, acrescenta, haveria um aumento das expectativas inflacionárias, dificultando ainda mais o trabalho do Banco Central.
Jogar todo o peso do controle da taxa no Banco Central não é correto, pondera o economista Bruno De Conti
Alguns fatores talvez auxiliem a nova diretoria do BC na complicada missão a partir de janeiro. “A elevação dos juros tende a agravar a situação de elevado nível de endividamento das famílias e empresas, o que pode aumentar a pressão política sobre o banco para reduzir a taxa de juros. Essa pressão pode vir tanto da sociedade, isto é, de famílias e empresas com alto grau de endividamento, quanto do próprio governo, que também enfrenta restrições em seu espaço de política devido ao aumento do serviço da dívida causado pelos juros elevados”, sublinha o economista. Outro ponto é a possível retomada das intervenções no mercado de câmbio, um modo de estabilizar a taxa de câmbio, reduzindo a pressão inflacionária importada e, consequentemente, a necessidade de manter juros altos para controlar a inflação.
A conjuntura econômica complexa não recomenda, entretanto, alimentar expectativas excessivamente otimistas. Apesar da mudança na presidência e na diretoria do BC, ressalta Ribeiro, não há sinais de que haverá uma alteração substantiva na condução da política monetária. Os fatores negativos mencionados representam desafios significativos e favorecem a manutenção do status quo. “Contudo, se os setores mais prejudicados pela atual política monetária conseguirem articular e coordenar suas demandas de forma eficaz, isso pode resultar em uma flexibilização da atual posição do BC de não intervenção no mercado cambial, reduzindo a necessidade de elevações na taxa de juros”, pondera o professor. “A redução gradual da taxa de juros, em relação ao nível da taxa de juros em um cenário de manutenção do status quo, dependerá fortemente da capacidade de articulação e coordenação dos setores mais prejudicados pela atual política monetária.”
Para o economista Bruno De Conti, professor da Unicamp, o início do governo Trump certamente contribuirá para o caos geopolítico global e para as incertezas relativas à economia internacional. Com isso, há sempre o risco de pressões cambiais importantes, que podem ser repassadas aos preços no Brasil. O câmbio tem impacto direto sobre os preços de bens importados, mas acaba tendo efeitos também sobre outros bens, em razão da estrutura oligopolizada do mercado em vários setores, do aumento estrutural dos insumos importados e de preços administrados. “Até mesmo o aluguel, por ser indexado pelo IGP-M, é bastante sensível ao câmbio”, lembra De Conti. Como ponto adicional, é importante citar que o repasse das variações cambiais aos preços internos é assimétrico na alta e na baixa, ressalta o professor da Unicamp. Quando a taxa de câmbio sobe, as empresas aproveitam para repassar o aumento de custo nos preços finais, mas quando a taxa de câmbio desce, elas não necessariamente fazem o caminho inverso. Ou seja, a mera volatilidade cambial exerce pressões inflacionárias e o próximo ano tende a ter pressões elevadas sobre a variação cambial do real.

A continuidade da guerra na Ucrânia, assim como o conflito no Oriente Médio, aumenta a incerteza. O novo modelo de reajuste da Petrobras alivia a pressão – Imagem: Nicolas Garcia/AFP e Marcelo Camargo/Agência Brasil
Para o enfrentamento dessa situação, “seguramente, o ponto mais importante será a retomada de algum tipo de administração cambial pelo novo BC”, destaca o professor da Unicamp. Não é necessário estabelecer metas públicas ou caminhar para um regime de câmbio fixo, mas apenas usar os instrumentos que temos, como as reservas cambiais acumuladas e a possibilidade de atuar nos mercados futuros, para minimamente impedir uma volatilidade cambial exacerbada. “Isso é feito no mundo inteiro. Diante da extrema instabilidade que caracteriza o mercado financeiro internacional na presente era, a adesão cega a um regime cambial completamente flexível não faz o menor sentido, sobretudo em um país periférico como o nosso”, pondera De Conti.
O economista confia que a nova direção do BC vai fazer uma gestão mais eficiente da inflação, sobretudo com maior atenção à questão cambial. “Mas jogar todo o peso do controle da inflação no BC também não é correto. É preciso uma atuação conjunta de todo o governo. Por exemplo, não é subindo juros que se controla uma inflação causada por quebra de safra, mas com uma gestão adequada de estoques de produtos agrícolas.”
O economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC de São Paulo, ressalta o fato de a nova diretoria do BC ser a primeira que herda tanto uma taxa Selic elevada, com expectativa de alta, quanto uma inflação resistente. Lacerda destaca, além dos detalhes mencionados acima, o fato de a alta do dólar aparentemente ter chegado a um limite, uma vez que também decorre de posições no mercado futuro e à vista. “A tendência será de valorização, mediante eventuais intervenções no mercado, via moeda ou swaps cambiais, do real. O reposicionamento dos agentes no mercado futuro e eventuais intervenções no mercado à vista ajudarão a diminuir pressões inflacionárias.” Outro fator positivo, acrescenta, é o perfil da presidência e dos novos diretores do BC, mais pragmática, com formações acadêmicas mais ecléticas e boa experiência de operação e gestão de ativos.
“O cenário é desafiador e ao mesmo tempo oportuno, pelos fatores expostos. A possível reversão do câmbio e a diminuição das pressões inflacionárias daí advindas, aliadas a algum avanço na área fiscal, a partir do pacote recém-anunciado, abrirão espaço à criação de ambiente favorável à manutenção, seguido de baixa, da Selic.” Há ainda, prossegue Lacerda, o espaço de atuação dos bancos públicos, especialmente do BNDES, para ampliar a capacidade produtiva, a neoindustrialização e a retomada da infraestrutura, o que tem ocorrido por meio de programas estruturantes que combatem a inflação no campo da oferta, facilitando o trabalho do BC.
Diante da volatilidade, o BC provavelmente terá de recorrer a intervenções no mercado de câmbio
O economista Nathan Caixeta, mestre em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, destaca como fator negativo à ação anti-inflacionária do BC “a crescente aversão ao risco que grandes instituições financeiras têm exibido diante da desaceleração da economia norte-americana, combinada ao provável esgotamento do ciclo de valorização dos preços de ativos ligados, principalmente, ao setor de alta tecnologia. Isso tende a punir fortemente os mercados emergentes, mesmo diante de um prolongamento no ciclo expansionista iniciado pelo Federal Reserve”. Como ponto positivo, sublinha, há a mudança de curso da Petrobras em relação à política de preços adotada durante a gestão Michel Temer, quando a dinâmica do reajuste dos combustíveis pesou fortemente sobre a inflação, “algo que tem se dissipado no período recente”.
Um vigoroso movimento de redução dos juros acompanhado de um cenário estável para inflação, sublinha Caixeta, não está no horizonte visível dos dois últimos anos do governo Lula. O economista destaca ações importantes, além das mencionadas acima, que podem ser adotadas para viabilizar esse movimento mais à frente, como o aproveitamento da janela de oportunidades proporcionada pela expansão dos BRICS e das relações Brasil–China, a introdução de medidas de intervenção ao longo da curva de juros de modo a conduzir de forma mais eficiente e civilizada as expectativas de mercado e a rediscussão da meta de inflação diante dos desafios apresentados pelo setor externo e pela dinâmica de preços.
A esperada mudança de postura do BC em relação ao controle da inflação ocorre em um ambiente de questionamento crescente no resto do mundo em relação às políticas convencionais de controle inflacionário. Como observou a economista Isabella Weber, professora da Universidade de Massachusetts, ao atribuir ao fator inflacionário a derrota de Kamala Harris, “em nossa era de emergências sobrepostas, precisamos urgentemente de um novo conjunto de ferramentas para combater a inflação. Se a única maneira de combater a inflação é aumentar as taxas de juro com o objetivo de tirar as pessoas do trabalho, empurramos os eleitores para os braços da extrema-direita”. •
Publicado na edição n° 1340 de CartaCapital, em 11 de dezembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Preços salientes’